E então é isso, chegamos ao fim da jornada de Dexter Morgan (Michael C. Hall) depois de 8 longos anos. Na boca, uma mistura entre o agridoce do fim e a decepção pela última temporada.
Abaixo, nossas impressões do fim de Dexter e da série num geral. Com spoilers, claro :)
“Dexter morreu depois da quarta temporada”, brada o enfurecido fã no Twitter ou rede social que o valha após o fim dessa 8ª temporada da série. Ou melhor: vem bradando desde… bem, desde o fim da quarta temporada.
O que é uma injustiça, diga-se de passagem.
Dexter não morreu depois da quarta temporada, embora a série tenha atingido um nível tão alto naquele ano que era missão complicada. Aliás, vale aqui um adendo: na verdade, a temporada de Dexter com melhor avaliação da crítica é a segunda, de acordo com o Metacritic. Logo abaixo vem, vejam só, a 7ª temporada, seguida pela 4ª, 3ª, 1ª, 5ª, 8ª e por fim a 6ª.
Seja como for, Dexter não morreu após a quarta temporada – embora nunca mais tenha sido a mesma. Mas o que aconteceu? Dexter trocou os roteiristas? Trocou o showrunner? O que aconteceu?
Originalmente, as forças criativas por trás da série eram os produtores executivos Daniel Cerone, Clyde Phillips e Melissa Rosenberg. O primeiro, deixou a série depois da 2ª temporada. Phillips e Rosenberg foram embora depois da quarta temporada, deixando o comando da série nas mãos de Chip Johannessen (co-produtor executivo de 24 Horas). Johannessen, por sua vez, só gerenciou a 5ª temporada de Dexter, deixando então Scott Buck no comando da série – situação que permanece até hoje.
“Então quer dizer que a culpa é desse mano Buck aí e dos outros que saíram?” – Não necessariamente. Buck participou de produções como Rome e Six Feet Under, além de ser nomeado ao prêmio anual do Sindicato dos Roteiristas dos EUA pelo seu trabalho em Dexter, enquanto Melissa Rosenberg escreveu o roteiro do primeiro Crepúsculo. Porém, parece lógico acreditar que a saída das três cabeças principais do projeto iria abrir vaga para cabeças não-tão-principais assim ganharem espaço e talvez a troca de ideias não foi rentável para o seriado. Talvez Buck não tinha roteiristas à altura, talvez não tinha confiança da emissora, talvez não sabia o que fazer enquanto showrunner. Nunca saberemos.
Com problemas nos bastidores ou não, Dexter acabou se tornando um grande exemplo de uma série que se perdeu sozinha, poeticamente como seu personagem também se perdeu.
O mote principal da série sempre foram as perguntas “é possível que Dexter sinta algo?” e “é possível que um serial killer possa controlar o seu Dark Passenger?”. Durante a primeira temporada, somos apresentados ao Código de Harry, que servia como uma maneira de canalizar os instintos assassinos de Dexter em uma função “útil” à sociedade – também como uma maneira de debate sobre a pena de morte.
Depois de aprendermos como funcionam as regrinhas desse jogo, o mote da série começa a agir. Aos poucos, vamos aprendendo que o pai de Dexter (James Resmar) nem sempre disse a verdade e que o Código não era o único caminho.
Com isso, Dexter inicia o processo de desconstrução do seu mundinho na tentativa de achar uma resposta para as perguntas acima. Nós vemos ele enfrentando alguém que consegue ver através das suas mentiras e fazendo com que o nosso serial killer mate um inocente (2ª temporada); vemos ele apresentando o Código para outras pessoas, como emoções possuem um papel próprio em assassinatos e como existem monstros dentro de todos nós (3ª temporada); nós até mesmo chegamos a vê-lo abandonando o Código e procurando em um assassino mais experiente um novo tipo de mentor (4ª temporada).
E, depois disso, Dexter entre num loop de repetir as mesmas ideias em todas as temporadas, apenas para voltar ao status quo no ano seguinte. Dexter teve dois alunos nos anos seguintes (Lumen e Zach), re-trabalhou o tema do Monstro Interior com vários personagens (Lumen, Debra, Zach, Hannah, Harrison), sentiu afeto em várias ocasiões (Debra, Lumen, Hannah, Harrison), foi caçado pela polícia algumas vezes (LaGuerta, Robocop), etc.
Porém, contudo e todavia, além de deixar o seu protagonista tão perdido quanto a própria série estava, o desperdício de personagens e o fato de nunca saber o que fazer com os coadjuvantes. Quinn, Masuka e Baptista sempre foram rostos vagando pelo cenário sem um pingo de desenvolvimento que seja – e cujas histórias nunca levaram de ponto nenhum para ponto nenhum. Masuka passou anos apenas servindo de escape cômico (algo que funcionou legal), apenas para descobrir que tem uma filha (!). Baptista foi um barco perdido nessa tempestade, indo de pai preocupado com a filha depois do divórcio para novo marido da LaGuerta, para divorciado da LaGuerta, para detetive com crise de meia idade, dono de restaurante e então novo tenente (?). E Quinn… nem me deixem começar a falar sobre o Quinn.
Continuando ao inumerar a longa lista de erros de Dexter, vem um dos que mais me irrita: a indecisão em seguir plots. A série do Showtime se tornou expecialista em plantar uma ideia, deixá-la germinar apenas para JOGAR TUDO NO LIXO no episódio seguinte.
Um exemplo é o detetive Mike Anderson (Billy Brown), que é apresentado na 6ª temporada como o “novo Doakes”, apenas para ser morto no primeiro episódio da 7ª temporada, depois dos roteiristas decidirem que eles já estavam reciclando temas demais.
Outro cara que entrou e saiu como se nada fosse foi Louis (Josh Cooke). O estagiário do Masuka chega na 6ª temporada apavorando todo mundo com o seu olhar creep maluco, sua obsessão com assassinatos e seu conhecimento estranho sobre o Dexter, apenas para morrer na temporada seguinte numa das mortes mais imbecis que a TV americana já nos proporcionou.
Aliás, eu tenho uma teoria sobre Louis. Se vocês pararem para pensar, ele é o filho da Vogel! Reparem que ele tem todos os requerimentos que o Cirurgião precisaria ter: ele tinha ótimos conhecimentos de computação para hackear o PC da mãe (estava desenvolvendo um jogo); aparentava saber demais sobre o Dexter (tem de haver uma razão para ele ter enviado aquela mão de cera do caso do irmão do Dexter!); na 6ª temporada ele era muito creepy com uma vibe “eu sou assassino” (na 7ª eles explicam como ele sendo idiota, só); ele termina a sexta temporada claramente como futuro vilão do Dexter e ele se aproxima com o mesmo modus operandi que o filho da Vogel faz! Ele se aproxega do Dexter namorando uma moça inocente que tem contato com o cara diariamente.
Ele era o filho da Vogel, mas decidiram cortar a história ali quando Dexter ganhou uma renovação para mais duas temporadas.
Um último tema que foi simplesmente abandonado pela equipe de roteiristas (provavelmente porque o público reclamou) foi a relação incestuosa de Dexter e Debra. Eu sei, eu sei, é sujo, errado, feio, bobo e com cara de mamão, mas eu sou da opinião que na ficção pode tudo e que seria algo realmente diferente e que podia sim ter mudado a direção de algumas coisas na série, cortando a presença (ou a importância) da Hannah e adicionando uma camada extra pros dois personagens.
A relação dos dois ganharia mais profundidade, com Dexter navegando entre realmente gostar da irmã ou apenas usar o sentimento dela para se beneficiar; enquanto Debra lutaria para aceitar o seu próprio Dark Passenger e o do irmão. Funcionaria melhor do que ela largar a polícia, fazer duas sessões de terapia com a Vogel e depois voltar de boa.
Mas chega de soltar os demônios com Dexter. Sim, a série se perdeu e não sobre corresponder aos seus momentos de maior expectativa. Sim, a 8ª temporada foi horrível, cheia de falhas e repleta de más ideias (leia mais aqui!). Mas Dexter chegou ao fim com uma conclusão melancólica.
Se o motor da série sempre foi a capacidade (ou não) de Dexter possuir sentimentos e se ele poderia controlar o seu Dark Passenger, a resposta é “Sim” para as duas – e essas respostas geraram o final triste.
Na última temporada (e especialmente nessa), Dexter teve sua necessidade de matar sob controle com a influência de Hannah (ao contrário das tentativas frustradas de Debra). Com a madame Hera Venenosa do seu lado, matar tinha virado obrigação para Dexter – ele precisava se livrar de Isaac (Ray Stevenson) e precisava proteger Vogel, mas não tinha o desejo de matar ninguém nesse tempo.
Porém (sempre há um porém), as consequências das suas ações cobram o seu preço. Ter emoções é uma faca de dois gumes e o fato de Dexter QUERER uma vida tranquila e feliz com Hannah e o fato dele AMAR Debra é justamente o que gera a CULPA que destrói Dexter. Foi o fato dele quere estar com Hannah, que faz com que ele não mate Saxon – o que abre o espaço para ele atirar em Debra; que gera todo o final. É a empatia recém-desenvolvida de Dexte, que faz com que ele sinta a terrível culpa suicida por tudo que causou na irmã nos últimos anos e que trás o pensamento de que ele, inevitavelmente, fará o mesmo com Hannah e Harrison.
Vendo assim, o final de Dexter faz sentido e foi um momento tocante, acima dessa última temporada. Dexter conclui bem, talvez porque o final já estivesse definido, talvez porque seja o mesmo final dos livros (não sei dizer), talvez porque os roteiristas finalmente acertaram uma – o que não salva a sucessão gigantesca de erros que foi esse ano final.
Por fim, se estivessemos falando de uma série que apresentou nos últimos anos um grau de profundidade maior, nós poderíamos ter Harry como o vilão final. Dá pra realmente parar pra pensar e ver se, afinal de contas, o Dexter seria ou não um serial killer e teria ou não esses impulsos sem a pressão que o pai colocou. Talvez o abuso (sim, dá para classificar como abuso) de Harry em Dexter, sempre privando qualquer ação do garoto, sempre vendo tudo como uma ameaça, não tenha justamente forçado Dexter a ser assim? Talvez, no fundo, no fundo, Dexter apenas simulou a sua psicopatia, tendo sufocado seus sentimentos por anos porque o pai disse que eles não existiam?
Acho que ganho um pouco de liberdade poética devido ao valor emocional empregado em Dexter para poder acreditar que esse é o meu final: Harry é o vilão, Dexter só foi assim por pressão dele. Dexter está agora em algum lugar do mundo, indo do trabalho pra casa apenas para sentar numa cadeira e esperar pacientemente pelo momento de ir trabalhar novamente, olhando pela janeira a vida que poderia ter tido e considerando se ele está longe o suficiente para não fazer mal à mais ninguém, incapaz de se suicidar porque considera que a culpa que carrega não o deixa afundar e a dor que sente ainda não é o suficiente para pagar o dano que fez à Debra, apenas porque o pai não entendeu o seu filho.
Seja como for, foi o que recebemos e acho que a viagem valeu a pena. Obrigado por ter lido até aqui e deixe suas opiniões e mensagens sobre Dexter nos comentários abaixo! :)