Crítica | Primeira temporada de Sense8

A nova série dos Irmãos Wachowski (Matrix) estreou no dia 05 de junho no Netflix, com todos os seus 12 episódios liberados de uma vez, como de costume, e com um ritmo bem cadenciado. O texto não tem nenhum, ou quase nenhum, spoiler.

A coisa mais difícil de explicar em Sense8 é o que é a série. Quer dizer, é fácil, mas não é satisfatório. Nós somos apresentados a oito personagens, completamente diferentes em todos os aspectos que você puder imaginar, e eles são conectados telepaticamente, são tipo irmãos de mente. A série explica dizendo que são uma nova espécia na cadeia evolutiva. São tipo humanos com esteroides, mas sem ser bombados. Vocês entenderam. O grande plot do seriado é a presença de uma organização liderada pelo Dr. Sussurros que quer caçar esse novo tipo de humano, chamado na série, de sensitivos (o maroto trocadilho em inglês para sensate). E sim, é sério, o nome dele é Dr. Sussurros.

Will Gorski é um policial de Chicago que pensa poder salvar o mundo. Nomi Marks é uma transexual, hacker, que vive em São Francisco com sua namorada Amanita. Sun Bak é uma empresária sul-coreana que enfrenta preconceito até de seus familiares por tentar trabalhar num meio dominado por homens, e nas horas vagas ela desconta sua raiva em clubes de luta ilegal. Capheus “Van Damme” é um motorista de ônibus em Nairóbi, no Quênia, que se esforça todo dia para conseguir comprar remédios para sua mãe que sofre com AIDS. Kala Rasal é uma farmacêutica em Mumbai, na Índia, que repete aquela historinha da novela Caminhos das Índias: ela tem um casamento arranjando com um ótimo partido mas não o ama. Wolfgang é um criminoso alemão que sofre por uma treta mal-resolvida com seu falecido pai. Riley é uma DJ islandesa, erradicada em Londres, que foge dos seus demônios do passado. E Lito é um astro do cinema mexicano que é homossexual mas tem medo de se assumir e isso prejudicar sua carreira. Outro importante personagem da série é Jonas Maliki, vivido por Naveen Andrews (O Sayid de Lost).

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Por que essa explicação não é satisfatória? Porque isso é secundário em Sense8. A trama da série e a parte da ficção científica é tudo segundo plano. Não deveria, eu sei, mas é. Parece que os Wachowski apenas queria gritar com toda a força de seus pulmões as suas ideologias e se você pegou essa referência é porque gritou com a música do 4 Non Blondes no quarto episódio. A impressão que fica é que eles queriam falar sobre seus ideais, sobre esse mundo tão desigual e preconceituoso em que vivemos, queriam expor as cartas na mesa e mostrar que mesmo diferentes somos todos iguais. E essa atitude é louvável senhoras e senhores. É de se aplaudir. Mas e o resto?

Eu concordo e abraço quase todas (o quase é só pra não ser generalista) as ideologias expostas por eles em Sense8. De verdade. Mas também curto uma boa história de ficção científica. A ideia geral de oito pessoas, com culturas e experiências diferentes de vida, conectadas, podendo sentir, ouvir, falar e fazer tudo, um pelos outros, é sensacional. É tão sensacional que no último episódio, quando efetivamente conseguimos ver os oito sensates em ação, é o segundo ponto alto do seriado. O primeiro ponto é a música What’s Up, eu já disse, ei, ei, ei.

Mas sabe que esse desequilíbrio não torna Sense8 ruim, não mesmo. Por mais que todo mundo queira ver os personagens juntos, em ação, as histórias de vida de cada um são interessantes. Algumas delas te fazem arrepiar, te fazem sentir o que eles tão sentido e acho que esse é o objetivo de Sense8, te fazer sentir o que o outro está sentindo, se conectar com pessoas diferentes. A diversidade é tão grande que é impossível você não se conectar com pelo menos um dos oito personagens. É óbvio que num primeiro momento as atenções caiam sobre os personagens Nomi, uma transsexual que vive em São Francisco, e Lito, um ator de ação mexicano que é homossexual.

lanaA ligação direta com Lana Wachowski nesses dois casos é evidente, ela que um dia foi Larry Wachowski, provavelmente passou pelos dramas de Lito, onde previamente inserido em sua cabeça, pelos moldes da sociedade machista em que vivemos, o fato de se assumir gay acabaria com sua carreira, assim como Lana também deve ter passado pela rejeição que Nomi enfrenta, pode ser que não pela família (ou sim), mas pelas pessoas em geral, por ter trocado de sexo. E apesar desses dois personagens serem mais elaborados nessas questões, e a ligação deles com os criadores da série, os outros também têm o que dizer e como se conectar com o espectador. Sense8 é uma série que explora todas as nuances de como uma pessoa se encaixa na sociedade em que está inserida e como isso afeta seu comportamento e traduz quem você é. É um drama sobre aceitação, e como essa aceitação deve partir de você.

Visualmente a série é linda, uma produção cinematográfica. Raros efeitos especiais, e quando usados são bem feitos. Um bela fotografia, que tem um papel bem importante de passar para fora da tela qual o sentimento o espectador deve ter, coisa que deve acontecer em qualquer produção audiovisual, mas Sense8 tem isso como um “ideal de produção”, e o fato de ser bem sucedido é graças, em parte, a fotografia. Falando em emoção e visual, Sense8 é uma série que tem uma linguagem que depende muito da visão do espectador, das imagens mostradas. É uma série visceral, sem medo de mostrar, e o melhor disso é que não mostra com o intuito de chocar. Não é o que está em pauta. Ela é visceral na tentativa de mostrar que tudo aquilo é natural. O nascimento explícito de uma criança, seja por parto normal ou cesariana, é algo normal. Sexo, seja homossexual ou não, seja com uma ou cinco pessoas ao mesmo tempo, é normal. Aliás, normal não é a palavra correta, natural é. Está na natureza do ser humano, no nosso instinto animal, mesmo que as vezes a sociedade molde esses instintos para “algo menos natural”.

O lado visual de Sense8 cumpre bem além das expectativas o seu papel, já os diálogos seguem a direção contrária. Infelizmente a série dos Wachowski tem diálogos bastante mal construídos, previsíveis, e que tentam, a cada linha, encaixar uma daquelas frases memoráveis que depois viram quotes em imagens do Facebook sobre aceitação, diversidade e etc. Não parece natural, pelo menos não o suficiente.

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O elenco de Sense8 não é algo que você consiga elogiar no primeiro e talvez segundo episódio, porque o espectador ainda está pegando as informações dos personagens. São rostos bastante desconhecidos com a exceção de Naveen Andrews e Doona Bae, que repete a parceria com os Wachowski depois de Cloud Atlas e Jupiter Ascending. Mas ao fim de doze episódios da para dizer que eles evoluíram assim como seus personagens e o saldo foi bem satisfatório, muita da “culpa” de achar as atuações meia-boca, se é que você chega a isso, são dos diálogos pouco naturais.

Passando a régua e fechando a conta, como diria meu pai. Sense8 é uma série que diz muito sem abrir a boca mas quando abre faz rodeios para dizer muito pouco. Uma ótima ideia, que pode render boas temporadas, mas que em sua primeira parece apenas um plano de fundo para os ideais que os Wachowski queriam gritar para o mundo. De maneira nenhuma isso é ruim. Mas de maneira nenhuma isso é a melhor coisa que eles, ou mesmo o Netflix, produziram.

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