O Guia Útil e Provisório para Iniciantes em HQs de Super-Heróis

Com a estreia de Os Guardiões da Galáxia nos cinemas nacionais no mês passado, nós vimos uma onda muito parecida com a que aconteceu quando Os Vingadores estreou em 2012: muitas pessoas que não tinham o hábito de ler quadrinhos de super-heróis se voltaram para o mercado para saber mais sobre aqueles personagens, mas não sabiam bem por onde começar.

Como nós temos mais de 20 filmes de super-heróis marcados para os próximos 5 anos (isso só contando heróis da Marvel e DC), nós previmos que esse evento se tornará mais e mais comum nos vindouros anos e, como nossa missão particular na Terra é de ajudar os fracos e oprimidos, nós começamos a trabalhar no GUIA INÚTIL E DEFINITIVO PARA INICIANTES EM HQS DE SUPER-HERÓIS – mas algo “definitivo” sempre leva tempo pra ser feito, então o que deu pra fazer foi o guia útil e provisório enquanto isso.

Basicamente, esse texto servirá para oferecer uma luz para quem chega numa loja e fica perdido entre as zibilhares de histórias e revistas com os Vingadores, Homem-Aranha, Batman e amiguinhos.

Vamos lá!

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Entenda como funciona o mercado de quadrinhos (ou o Teorema do Tipo de Leitor)

Uma das dúvidas mais comuns de quem quer entrar nesse negócio obscuro e criminoso de ler gibi é POR ONDE começar. O problema é que essa questão é quase tão complexa quanto outras perguntas que assolam a humanidade (como a influencia da multisensorialidade na concepção artística do interior europeu do século XIX) e é difícil dizer por onde você pode começar a ler histórias de super-heróis se você não sabe que Tipo de Leitor você é.

Pra entender isso, você precisa entender como FUNCIONA o mercado de quadrinhos em termos mecânicos. Basicamente, existem dois modelos de publicação na editoria de super-heróis: as publicações regulares e os encadernados – ambas tem as mesmas histórias, só muda mesmo a periodicidade e o formato.

Nas publicações regulares, que podem ser mensais, semanais ou quinzenais, você acompanha os desenvolvimentos do seu herói ou grupo favorito. É como acompanhar uma série de TV cujos novos episódios só saem mensalmente (que é a periodicidade mais comum). Já os encadernados são produções mais caprichadas – as histórias são as mesmas das publicações regulares, mas o material passa por um trabalho de editoração interessante, só as melhores histórias acabam publicadas num formato melhor, num papel melhor, com conteúdos extras. A parte ruim é que demora bem mais pra sair cada encadernado e nem tudo ganha essa chance, então coisas legais mas que não são legais o suficiente (ou não possuem mercado o suficiente) nunca viram encadernados.

Então, basicamente você pode acompanhar regularmente e pegar tudo que acontece com os heróis, incluindo as boas histórias e as nem tão boas assim, ou pode ficar na sua tranquilo e ir só nos encadernados. Ambas as opções são validas (dá pra fazer os dois também, ninguém te julga).

No Brasil, por via de regra, HQs de super-heróis são publicadas pela Panini. Porém, o modelo é diferente. Nos EUA, existe uma revista pra cada herói – normalmente você paga $2,99 dólares ou algo do tipo e recebe 30 páginas do Batman, por exemplo. Mas o mercado americano é mais robusto que o brasileiro e, apesar de gibis de super-heróis serem um mercado cada vez mais fechado a inovações, ainda tem espaço pra mais gente lá do que aqui. Sendo assim, não é um absurdo a DC achar válido que o Larfleeze (“quem?” – pois é!) tenha uma série mensal própria nos EUA, mas isso no Brasil é inviável. A solução é a publicação de mixes mensais, onde várias revistas são agrupadas numa edição só. Um exemplo prático: existe um mix da Panini chamado Universo DC, que conta com alguns heróis importantes da DC como as histórias da Mulher-Maravilha e do Aquaman, tudo unido numa revista só.

Além disso, a Panini também publica encadernados por aqui, em edições nacionais do material que sai na gringa.

Mas se você quiser acompanhar tudo “em dia” com as publicações nos EUA, sua saída é o Comixology, onde é possível comprar edições digitais das principais revistas americanas pelo preço das comic-shops americanas.

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A Wikipedia é sua amiga (ou o Diagrama do “Eu tenho de ler 75 anos de histórias do Batman?”)

Um segundo problema bem sério que quem quer começar a acompanhar histórias em quadrinhos é o fato de que gibis existem a muito tempo. Tipo, muito tempo. Provavelmente seu pai não era nascido ainda e o Superman já era publicado mensalmente. Quer dizer, o Homem de Aço tem 76 anos na data de publicação desse post, o Batman tem 75; os heróis da Marvel estão todos na faixa dos 50.

É MUITO tempo de publicações contínuas. Como fazer pra ficar “em dia” com tudo isso? A resposta é simples: você não fica.

Ok, deixa eu explicar melhor. Cada personagem possui diferentes títulos editoriais dentro das suas revistas. Vou usar o Superman como exemplo: tradicionalmente, ele sempre foi publicado na revista Action Comics (foram são 76 anos sem parar); porém, ele tem uma revista com o nome dele também, a Superman. Fora isso, ele já teve a Superman Unchained e outras séries. Essas revistas normalmente não se cruzam (o que acontece em Action Comics fica em Action Comics), mas são todas oficiais e cada uma costuma ter uma abordagem diferente do personagem em questão – atualmente a Action Comics é uma revista muito mais da figura do Superman em si, enquanto a série “principal” do cara está ficando mais focada nele como Clark Kent, seu trabalho em meio as aventuras do Homem de Aço, etc.

Outro bom exemplo: há dois anos, a Marvel relançou as revistas dos seus principais heróis com novos conceitos. O Thor ganhou a série Thor: God of Thunder, que passou a contar histórias do Vingador Asgardiano abordando três fases do cara: a gente acompanhava o Thor jovem, antes de aprender lições de humildade; o Thor “atual”, dos Vingadores; e um Thor de milênios no futuro, quando ele já se tornou Rei de Asgard e algo muito terrível aconteceu. Todas as histórias giravam nessas três versões do personagem, contrastando os efeitos da passagem do tempo pela vida dele, seus dramas por ser praticamente imortal, seu dever como asgardiano, seu orgulho.

Assim, revistas são “relançadas” para demarcar essas novas fases e você pode sempre começar da #1 sem problema nenhum e sem medo de ficar “perdido”. Aconteceu recentemente com o Homem-Aranha: ele chegou à The Amazing Spider-Man #700 (em publicação desde 1962!), então a revista acabou e voltou agora em 2014 com The Amazing Spider-Man #1 – nada foi apagado da cronologia do cara, mas vc pode começar dali.

PORÉM, caso você realmente queira saber coisas sobre histórias passadas, mas ler décadas de gibis de um personagem não é uma opção, a melhor escolha são as enciclopédias digitais da Marvel e da DC. Sim, persquisar na “Wikipédia” é muito útil, porque as editoras mantém resumos atualizados de tudo que aconteceu com seus personagem. Décadas de publicações são resumidas em alguns parágrafos para você ficar atualizado com todas as informações importantes do que já aconteceu com esses personagens  e é também uma ótima maneira de descobrir histórias interessantes pra ler depois – por exemplo, fuxicando na página do Lanterna Verde Hal Jordan você pode descobrir que ele já foi um vilão e querer ler essa história pra entender melhor como isso aconteceu.

Escolha um personagem/autor/desenhista preferido e comece daí

gibis 04Sai um filme de super-herói qualquer nos cinemas e você vai ver com aquele seu amigo que lê gibis o tempo todo. Você entra na sala do cinema, senta e assiste ao longa – que é bem legal e divertido. No fim da sessão, você comenta com seu amigo: “Poxa, que legal esse Capitão Espiga de Milho, hein? Você tem alguns gibis dele pra emprestar?” e então vê que seu amigo não compartilha da mesma opinião: “Legal? Isso foi ridículo, deturparam totalmente o personagem! Aquele não é o Capitão Espiga de Milho dos quadrinhos, ele nunca teve um caso gay com o Pipoquinha, que absurdo!”. Então toda a sua animação murcha porque hey, “obviamente” você não entende de nada e o filme que vc gostou há 10 minutos é uma bela porcaria segundo o seu amigo. Dá um desânimo, né?

Pois é, já aconteceu com todos nós (eu também adorei o filme do Capitão Espiga de Milho!), mas o fato é que NÃO existe um “Fulano dos quadrinhos”. Não existe uma versão definitiva do Wolverine, da Mulher-Maravilha ou do Capitão América , mas sim um senso comum sobre o personagem, formado através de padrões que são repetidos nas décadas de histórias desses ícones – mas cada roteirista explora um dos vários ângulos que esses personagens possuem, tudo de acordo com a época da publicação, contexto cultural e outros fatores externos. Eu gosto de exemplos, então aí vai mais um: o Superman, a partir de 2011, começou a ficar cada vez mais sombrio (ou tão sombrio como o Superman pode ser), sendo até um pouco mais violento que o normal – em compensação, alguns anos antes, ele foi peça central numa história que justamente argumentava CONTRA essa tendência de deixar os heróis cada vez mais violentos (essa HQ se chama “O Que Há de Tão Engraçado sobre a Verdade, Justiça e o Jeito Americano?” e é muito boa, #ficadica). Todos os super-heróis possuem milhares de facetas e o bom roteirista é aquele que consegue explorar os diferentes lados desses personagens de maneira orgânica com a essência de cada herói.

Assim, se você tiver um super-herói favorito, vai poder conhecer as diversas faces desse personagem, podendo focar nas histórias em que aparecem aquele lado que você gosta mais ou preferindo justamente ver como ele/a reage em situações incomuns.

Uma outra recomendação gigantesca nesse assunto é que você fique sempre de olho na equipe técnica que trabalha em cada revista que ler. Conheça os autores, os roteiristas, coloristas, desenhistas. Saiba quem eles são e acompanhe aqueles que produzirem as histórias que você mais gosta. A equipe técnica é tão importante numa HQ como o personagem em si.

Novamente, vamos nos exemplos. O Batman é um dos personagens mais icônicos e conhecidos dessa indústria e centenas de roteiristas já trabalharam com ele. Alguns escritores ganharam fama com o trabalho que fizeram com o Cavaleiro das Trevas, como Frank Miller por exemplo. Outros enterraram a carreira ao perder a mão com o cara; assim, há uma quase infinidade de histórias com o Justiceiro de Gotham por aí e uma igual quantidade de abordagens diferentes do que ele significa. O já citado Frank Miller, por exemplo, retrata o Batman como um cara clinicamente doente mental, um playboy que gosta de se vestir de couro e sair na rua para espancar criminosos, nunca com muita preocupação para o seu nível de violência – enquanto a versão do Batman escrita por Scott Snyder é um herói menos focado em bandidos “comuns” e mais dirigido aos caras que efetivamente fazem mais dano à Gotham, além de explorar muito mais a relação entre o Cavaleiro das Trevas e a sua cidade.

Além de mergulhar no seu personagem favorito, um outro exercício muito interessante é começar a acompanhar a carreira daquele roteirista ou daquele desenhista que você admira muito, que tem o estilo de história que você mais gosta: isso não só te levará a conhecer novos personagens, como ir atrás de histórias que você provavelmente não leria antes. Aconteceu comigo quando eu comecei a ler a Young Avengers de Kieron Gillen: eu gostei tanto que logo passei a acompanhar a mensal do Homem de Ferro que ele também escrevia (e eu nem gosto do Homem de Ferro, nunca tive o interesse de ler a mensal dele), além de ir atrás de outros trabalhos do cara e ficar vidrado com Phonogram (uma série em quadrinhos sobre um universo onde a magia é “interpretada” através da música).

Ok, depois disso tudo, por onde eu começo?

Certo, você não leu o que eu escrevi, né? Ok, sem problemas, vou tendar dar umas dicas que funcionem mais ou menos de maneira básica seja lá que tipo de leitor você seja ou qual seu personagem favorito.

Uma das principais dicas, obviamente, é pegar o material essencial do seu personagem favorito ou mesmo do gênero dos super-heróis. Cada herói conta com pelo menos uma grande história publicada em seu nome e todas merecem uma conferida.

Você pode conhecer esse material através de várias iniciativas, como as coleções da Salvat ou a linha Biblioteca História da Marvel publicada pela Panini por aqui. Porém, contudo e todavia, a principal dica que eu posso dar é você dar uma olhada nos três volumes da série literária Quadrinhos no Cinema, do pessoal do Pipoca e Nanquim (sim, sim, eles são nossos amigos, mas o material é muito foda independente deles manterem contato com criaturas desprezíveis como nós).

Nos livros Quadrinhos no Cinema, o trio Daniel Lopes, Bruno Zago e Alexandre Callari produzem toneladas de conteúdo histórico sobre os personagens que ganharam filmes nos últimos anos – o Quadrinhos no Cinema Volume 1 saiu em 2011 com o Lanterna Verde, Thor, Capitão América e o Conan; o Volume 2 saiu em 2012 e falou sobre o Homem-Aranha, o Batman, o Juiz Dredd e os Vingadores; e o Quadrinhos no Cinema Volume 3 lançado em 2014 fala sobre o Superman, o Wolverine, o Motoqueiro Fantasma e o Homem de Ferro.

Agora, se você quer uma listinha com os roteiristas mais maneiros da indústria americana HOJE em dia, eu separei 10 escritores maneiros que estão na indústria HOJE e seus trabalhos mais legais pra você dar uma conferida (e sim, eu julgo que meu gosto é bom o suficiente pra você ir na minha e ser feliz, me processe se não gostar):

Autores Obras Recomendadas
Scott Snyder Detective Comics pré-Reboot em 2011; revista principal do Batman pós-Os Novos 52 (2011 até agora), Superman Unchained, The Wake*, American Vampire*
Kieron Gillen Young Avengers, Iron Man, Journey Into Mistery (entre 2011 e 2012), Uncanny X-Men, Phonogram*
Matt Fraction Hawkeye, Fantastic Four Vol 4 (2013), Casanova*, Sex Criminals*
Jonathan Hickman Marvel NOW Avengers (2013), Marvel NOW New Avengers (2013), Infinity, The Manhattan Projects*
Brian Michael Bendis Ultimate Spider-Man, All-New X-Men, New Avengers (2004), Avengers (2004)
Gail Simone
Batgirl, Birds of Prey, The Movement
Brian Azzarello Wonder Woman Pós-Os Novos 52 (2011), Joker, Flashpoint Batman: Knight of Vengeance, 100 Bullets*
Kelly Sue DeConnick Captain Marvel, Pretty Deadly*
Jason Aaron Thor: God of Thunder, The Incredible Hulk (2012), X-Men Schism, Wolverine,
Mark  Waid Daredevil, The Indestructible Hulk, Legion of Super-Heroes, 52, O Reino do Amanhã

*não são de super-heróis.

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