No ano passado, quando eu escrevi sobre O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, eu reclamei sobre como a decisão da MGM e da Warner em dividir um livro de pouco mais de 300 páginas em 3 filmes de 3 horas cada fazia com que a versão final desses longas acabasse inchada e sua fluidez narrativa prejudicada.
Se Uma Jornada Inesperada me mostrou certo ao reclamar disso, A Desolação de Smaug… bem, não diz que eu estou errado. Mas pelo menos conserta muitos dos problemas do primeiro filme e fornece um pequeno alento em relação à essa divisão em trilogia: pelo menos teremos uma Batalha dos Cinco Exércitos com umas 3 horas de duração e com um pouco mais de peso emocional no ano que vem.
Mas eu já estou flertando demais com os spoilers, vamos falar do hoje e da Desolação de Smaug.
Como os três filmes de O Hobbit foram filmados ao mesmo tempo (apenas algumas cenas e refilmagens foram feitas depois), a necessidade em comentar aspectos recorrentes nos três filmes é um pouco nula. Por exemplo, é claro que a direção de arte, figurinos e maquiagens desse segundo filme é tão boa quanto a do primeiro, pois foram feitas no mesmo processo e pelos mesmos profissionais. O mesmo se diz em relação aos efeitos especiais e os outros aspectos responsáveis por efetivamente CRIAR a Terra-Média para as telonas. Eu vou tentar não ficar comentando muito esses pontos (pois já fiz no primeiro texto e, mesmo com a inserção de cenários totalmente novos, o resultado final tem o mesmo nível de excelência). Porém, que fique registrada a qualidade excelente da direção de arte do filme.
Então vamos falar de partes do filme cujas mudanças são mais palpáveis.
Um dos principais problemas de Uma Jornada Inesperada era a quebra constante do ritmo da narrativa do longa por causa das adições de material que não estava em O Hobbit. Basicamente, Peter Jackson acabou pegando o começo da jornada dos anões em busca de expulsar Smaug da Montanha Solitária e plantou diversas cenas dos Apêndices escritos por J.R.R. Tolkien e de material extra da série O Senhor dos Anéis, transformando O Hobbit muito mais num prelúdio da saga de Frodo do que numa aventura própria ambientada no mesmo universo.
Em A Desolação de Smaug, nós ainda temos muito disso, mas as coisas funcionam de uma maneira um pouco melhor. Basicamente, temos 3 linhas narrativas: a principal, onde Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Armitage) e os anões viajam até a Montanha Solitária para recuperar a Pedra Arken; a jornada de Gandalf (Ian McKellen) para descobrir a identidade do Necromante (Benedict Cumberbatch) e o que ele anda tramando na Terra-Média; e uma história paralela envolvendo Legolas (Orlando Bloom), Tauriel (Evangeline Lily) e o anão Kili (Aiden Turner).
Porém, talvez pelo fato de uma dessas tramas estar intimamente ligada com a história principal, o fato é que a transição entre essas três narrativas flui com muito mais naturalidade do que no filme anterior. Os eventos do longa fazem mais sentido juntos numa mesma projeção e são até que unidos tematicamente: Desolação de Smaug é um filme sobre ganância, com o assunto sendo refletido em todas as linhas de acontecimentos (algo que não existia muito em Uma Jornada Inesperada, embora o primeiro filme ameace envolver alguns pensamentos sobre coragem e responsabilidade).
Com isso, nós temos uma correção na pior parte do primeiro O Hobbit, mas isso não significa que A Desolação de Smaug é um filme isento de problemas. O principal, dessa vez, é o exagero de Peter Jackson.
Uma das marcas registradas do diretor acaba atuando um pouco contra o expectador dessa vez, APESAR DE parecer ser algo necessário considerando o que vai acontecer no próximo filme. Vou tentar formular o que quero dizer de forma a ser melhor compreendido:
Como eu já disse, A Desolação de Smaug tem muita coisa que não existe no livro O Hobbit. Eu diria que uns 40% do filme ou é completamente inventado ou é tirado de outros materiais produzidos por J.R.R. Tolkien. O problema é que esses eventos estão numa espécie de “dissonância narrativa” (?) em relação ao resto do filme – enquanto Bilbo e os anões efetivamente possuem um plano de ação mais definido (princípio, meio e fim dentro desse longa), esse material extra (que envolve a elfa Tauriel, o arqueiro Bard e o povo da Cidade do Lago) fica apenas no princípio e meio, tendo seu desenvolvimento interrompido pelo fim da projeção, ficando portanto sem sentido, sem conclusão.
Porém, sabendo o que vem por aí no terceiro filme (a Batalha dos Cinco Exércitos e suas consequências) e parando para pensar no que foi mostrado em A Desolação de Smaug, a gente consegue ver que esse material inventado vai aumentar o potencial dramático do próximo filme e vai justificar com mais substância algumas das conclusões dessa jornada.
Portanto, o que eu quero dizer, é que apesar de uns 20% desse filme ser desnecessário para o longa em si e responsável por uma sensação de exaustão no expectador, provavelmente será um material que vai potencializar o próximo filme. Numa frase, é como se Desolação de Smaug vestisse uma roupa feia para fazer com que O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez pareça muito mais bonito.
Mas parando de divagar sobre a história de A Desolação de Smaug, vamos falar sobre coisas igualmente interessantes. Começando pelos elfos, que são um dos destaques do longa.
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Sendo A Desolação de Smaug muito mais um filme de ação do que de aventura, o pessoal liderado por Legolas e Tauriel são os responsáveis pelas melhores batalhas dos 161 minutos de projeção. Toda a cena em que os anões descem o rio dentro de barris sendo perseguidos por Orcs que lutam contra os elfos é uma coisa linda de se ver, não só pela estética da cena, mas também pela complexidade da coreografia realizada. Ver o Legolas atacar um orc e usar o corpo dele como uma espécie de prancha para deslizar e ganhar impulso para atacar outros dois inimigos e depois passar por cima dos anões para enfrentar outros orcs que bloqueiam a estrada, apenas para ser pego de surpresa por trás por um inimigo, mas ser salvo pelo arremesso de um machado feito por Thorin é como ver um malabarista com dezenas de objetos no ar, lutando para manter todos em movimento. Chega uma hora onde você sente que alguma coisa vai cair, mas o malabarista salva a apresentação no último segundo – apenas para deixar claro que o “deslize” foi intencional para aumentar o suspense e ele tinha tudo sob controle o tempo todo.
Dentre as novidades no elenco, as que chamam mais a atenção são justamente as que ganham mais tempo em tela: Tauriel e Bard (Luke Evans). A primeira é completamente inventada para o longa e representa uma ótima lufada de ar fresco no sempre tão rígido núcleo dos elfos com a sua impulsividade e o seu dinamismo. Já Bard ganha mais espaço do que tinha no livro, sendo mostrado como uma espécie de revolucionário social dentro da complicada Cidade do Lago.
Agora eu paro para reparar que já estou quase no fim do texto e ainda não falei sobre o personagem que está no subtítulo do filme: o dragão Smaug (Benedict Cumberbatch). O longa também relega o personagem só para os momentos finais, mas vamos lá falar sobre o vilão de O Hobbit.
Em primeiro lugar, eu lembro de ter visto algumas pessoas reclamando um pouco do visual do Smaug quando o primeiro trailer de A Desolação de Smaug foi divulgado. Pra começar, então, eu já aproveito para explicar que o dragão está absolutamente fantástico em tela e aquele trailer foi provavelmente feito quando a pós-produção no personagem não estava completa ainda.
Benedict Cumberbatch é o cidadão com a voz mais vilanesca do mundo, sendo uma das poucas pessoas que consegue passar pura maldade apenas dizendo coisas! Ele é mais ou menos uma versão sonora do Williem Dafoe.
A interpretação do cara (que inclusive faz a captura de movimentos do Smaug, então ele teve de “ser um dragão” nos sets) realmente adiciona personalidade pro vilao e ajuda a tornar aquele monstro um pouco mais real. A gente consegue sentir a curiosidade do Smaug, depois a maldade, a crescente irritação, a mesquinharia ao querer atingir o inimigo onde dói mais… enfim, ele é a personificação do bully no melhor sentido possível.
Então é isso. Para concluir, A Desolação de Smaug corrige problemas do primeiro O Hobbit, mas tem de se sacrificar um pouco para tentar potencializar a conclusão da trilogia. É um bom filme, tem diversão, aventura e (principalmente) ação. Ainda não é perfeito e, apesar de dar a sensação de ser incrivelmente longo e cansativo, vale o ingresso.