No dia 9 de Agosto, chega ao Brasil o filme Círculo de Fogo, dirigido por Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno) e estrelado por Charlie Hunnam (Sons of Anarchy), Rinko Kikuchi (Como na Canção dos Beatles: Norwegian Wood) e Idris Elba (Luther).
Na trama do filme, monstros gigantescos alienígenas, conhecidos como Kaiju, começam a invadir a Terra através de um portal interdimensional numa brecha entre duas placas tectônicas no fundo do Oceano Pacífico, na região conhecida como Círculo de Fogo. Para enfrentar essa ameaça monstruosa, a humanidade constrói monstros próprios, os robôs Jaeger, que exigem dois pilotos com compatibilidade física e mental para serem pilotados. A situação se agrava quando, depois de alguns anos, cada vez mais Kaijus aparecem e cada vez mais os Jaegers começam a perder.
Antes de começar a encher o texto com o blablabla tradicional, vou fazer um resumo para você que só quer saber vale ou não a pena ir ver Círculo de Fogo nos cinemas: sim, vale. A ação é ótima, os robôs brigando com os monstros são legais e você vai se divertir MUITO no cinema. Corra gafanhoto, vá comprar seu ingresso e ser feliz com um balde gigantesco de pipoca e um refrigerante extra-large (ou um sanduba natural se você prefere assim). É assim que o filme foi feito para ser consumido, então seja feliz.
Agora, pra quem quer saber um pouco mais, siga lendo – não se preocupe, o texto não tem spoilers!
Com uma premissa dessas, eu já imagino que grande parte de quem pretende ver Círculo de Fogo espera ver um novo Transformers. Ou Battleship – A Batalha dos Mares. Se você é um desses, saiba que há uma distância gigantesca entre esses filmes: a maneira como esses filmes são abordados pelos seus criadores.
Guillermo del Toro, o diretor do longa, cresceu numa época onde o México estava inundado por obras feitas no Japão – guardadas às devidas proporções, mais ou menos como aconteceu nos anos 90 no Brasil, com muitos animes e tokusatsus na TV e tudo mais. Com muitos e muitos filmes e outros programas focados nos famosos Kiajus (os monstros japoneses como Godzilla e afins), a paixão de del Toro por criaturas monstruosas só cresceu nessa época.
Com isso em mente, conseguimos entender como Círculo de Fogo se diferencia dos outros blockbusters hollywoodianos: o filme deixa de ser um espetáculo visual com o objetivo de encher cofres de estúdios e passa a ser uma carta de amor de del Toro aos filmes e obras de robôs e monstros japoneses.
O diretor pega o que seria um filme vazio nas mãos de alguém que não entendesse essas produções como ele entende, e o transforma em 131 minutos de coração, diversão e até mesmo um gosto de nostalgia agridoce que remete muito à produções de anos passados. Talvez crianças que vejam Círculo de Fogo hoje se sintam da mesma maneira que del Toro se sentiu ao ver as produções da sua infância, da mesma maneira que quem cresceu nos anos 80/90 se sentiu ao ver Jaspion, Winspector e até mesmo Jiraiya.
Disto isto, posso passar para a segunda característica mais interessante de Círculo de fogo na minha opinião: sua despretensão. Diferente de outros blockbusters atuais, que são feitos para dar prosseguimento ou iniciar uma franquia, Pacific Rim foi feito para durar sozinho – mesmo que o estúdio já tenha dito para del Toro preparar uma sequência.
Essa abordagem diferente elimina o que eu chamo de “síndrome dos múltiplos filmes”. Explico. Os blockbusters de hoje são feitos para gerar novos longas, o que leva os roteiristas e diretores a fraccionar as histórias que pretendem contar. O resultado disso é uma narrativa serializada, onde consequências de um filme só são trabalhadas em longas subsequentes.
Pacific Rim não tem nada disso e a história que temos é a história que deve ser contada. Se algum dia tivermos Círculo de Fogo 2 (com essa bilheteria, não é muito provável), então teremos uma nova história e a vida segue assim.
Para finalizar essa sessão de elogios aos conceitos do filme, vamos à mais um aspecto que a maioria das pessoas não se importa muito mas que chamou a minha atenção: Círculo de Fogo, mesmo sendo um blockbuster hollywoodiano, tem algumas coisas interessantes para dizer sobre certos temas. Porém, o filme acerta ao 1) não sobrevalorizar o que tem a dizer e 2) não menosprezar o espectador e não ser didático demais com o que tem a falar – Pacific Rim diz o que tem a dizer, sem sutileza, mas depois segue em frente sem precisar ficar reforçando ou revivendo o que já disse, mesmo com del Toro utilizando alguns recursos artísticos no filme, como o fato de cada personagem ter a sua cor específica e como isso se traduz em cena com belos e coloridos takes.
De novo, talvez a palavra-chave seja despretenção.
Com tudo isso já registrado (e esses foram os principais pontos do filme na minha concepção), vamos falar dos outros aspectos, começando pelos personagens de Círculo de Fogo.
Nosso protagonista é Raleigh Becket (Charlie Hunnam), o típico herói determinado que entende o que precisa fazer graças a erros do passado. Rinko Kikuchi vive Mako Mori, uma jovem talentosa e competente, movida por uma sede de vingança contra os Kaiju. Idris Elba é Stacker Pentecost, o líder do programa Jaeger, mentor e centro moral do filme – o mais próximo de um samurai nessa ficção-científica. Essas são as três peças motoras do longa e, honestamente, os que realmente importam pro filme.
Fora os já citados, a dupla Dr. Newton Geiszler (Charlie Day) e Gottlieb (Burn Gorman) contribuem bastante como alívio cômico, mas também servem para algumas funções importantes em termos de narrativa. Fora esses caras, temos um pouco mais de comicidade com o personagem de Ron Perlman, um traficante de pedaços de Kaijus que são “roubados” após as batalhas; e um pouco de antagonismo com Chuck Hansen (Robert Kazinsky), um piloto convencido.
Os personagens de Círculo de Fogo funcionam como engrenagens bem oleadas, já que cada um tem a sua função na trama e o fato de que cada um existe para cumprir essa função é disfarçado com alguns traços de personalidade. Para ilustrar, pego o exemplo da dupla Geiszler e Gottlieb. Só era necessário ter um cientista que pudesse fornecer as “informações técnicas” que eles fornecem e fazer as descobertas que eles fazem, mas dividindo essa função em dois personagens, temos cenas mais engraçadas e muito mais divertidas de se ver, agregando valor ao filme. O mesmo acontece com Hansen, que não precisava ter esse toque de antagonista, mas por ter, acaba gerando algum movimento no filme e aproximando alguns personagens do espectador.
Por fim, ficamos com a parte que a maioria das pessoas quer ver: robôs gigantes enfrentando monstros igualmente colossais. Sim, as lutas e os confrontos entre eles são incríveis.
Eu ressalto a batalha final (que não elaborarei muito para não dar spoilers) como uma das minhas favoritas, mas em termos visuais, existe um confronto muito bom envolvendo quatro jaegers e dois kaijus – são lutas diferentes, mas que rolam quase ao mesmo tempo – que acaba durando por mais de 10 minutos e deixa o espectador de boca aberta e definitivamente cativado pelo filme.
Não bastasse a ação ser esteticamente plástica, com efeitos de extrema qualidade, como ainda mostra como a produção de Círculo de Fogo foi tratada com cuidado. Cada Kaiju tem a sua personalidade e isso dá pra sentir nessa cena, assim como cada Jaeger reflete a personalidade dos seus pilotos – algo que fica claro nesse ponto.
Outra coisa divertida é que as batalhas do filme (e essa em particular) seguem um modelo meio animação japonesa, no sentido de quase ter “turnos”. Primeiro vemos os kaijus atacando e mostrando o quão perigosos são, aí vemos como os jaeger conseguem revidar a ameça, mas então temos a reviravolta dos monstros, apenas para os jaegers mostrarem sua arma secreta e então… quem já está habituado com esse tipo de recurso, vai notar a utilização. Quem não está, não precisa se preocupar porque é feito de maneira bem sutil e não vai chamar a sua atenção.
Antes de terminar, dois últimos pensamentos: a trilha sonora do longa tem uma pegada mais rock, que acaba reforçando o aspecto “cool” do filme; apesar de Guillermo del Toro não ter planejado o filme em 3D, Círculo de Fogo consegue se sair bem nesse ponto. Não há planejamento para o recurso (diferente de, por exemplo, As Aventuras de Hugo Cabret), mas a execução é boa.