Independente do tipo de apocalipse que você acredita que poderá ocorrer, algo é absolutamente comum a todos eles. Podem ser os zumbis, o apocalipse nuclear, os ETs… Não importa. O maior inimigo da humanidade será ela mesma. Milícias se formarão, comida e água se tornarão itens raros e você precisará chegar ao limite para sobreviver. E é justamente essa a abordagem que os filmes adotam para narrar histórias pós-apocalípticas, explorando o limite e a natureza duvidosa do ser humano. Hoje na nossa querida e ausente Sofazão, temos o dúbio Hell (Alemanha, 2012), que se apropria do que de melhor existe no gênero para contar algo um pouco diferente – mas que acaba se perdendo no meio do caminho.
Num futuro muito próximo, a Terra tornou-se uma imensa bola infértil. Inclusive, esse é um dos pontos mais interessantes dessa produção, já que estamos a exatos três anos de seus acontecimentos. Em 2016, como explica o filme, a temperatura do planeta subiu dez graus Celsius, e todos os animais e plantas, obviamente, sofreram as conseqüências. O aquecimento provocou também aquela tão temida falta d’água (que é um assunto bastante discutido no Brasil por abrigarmos uma das maiores reservas do mundo). Em meio a essa escassez de suprimentos, conhecemos Phillip, Marie e sua irmã mais nova, que estão partindo em busca de água e melhores condições de vida. ‘’As montanhas estão com vida’’, pensa Phillip ao ver uma ave indo em direção as montanhas.
O sol se tornou um perigoso adversário, desidratando e queimando qualquer um que se expusesse a ele. O dia passou a ser muito mais perigoso que a noite.
Foi esse cenário árido e desértico que o diretor estreante Tim Fehlbaum escolheu para ambientar sua história, que vai além do interesse científico sobre o aquecimento da Terra e parte para o velho e batido estudo sobre a natureza humana e suas necessidades. Com todas as dificuldades de se viajar à luz do dia e a escassez de suprimentos, formaram-se grupos de ladrões e desesperados por comida e água, dispostos a fazer qualquer coisa para sobreviverem. Na trama conhecemos um desses grupos, na verdade, uma família, que além de batalhar pela sobrevivência, pretende ainda dar continuidade a raça humana. Bonito, não? O problema é que essa família seqüestra mulheres para que os homens possam desfrutar dos prazeres da carne e, de sobra, render filhos.
Nessa divisão de batalha pela sobrevivência num mundo pós-apocalíptico e família bizarra que seqüestra as pessoas para interesse próprio, o filme cai no seu principal problema. A trama deixa de seguir um rumo e troca, de forma abrupta, para um viés completamente diferente do proposto no início do filme, e o que era considerado perigoso, passa a ser secundário. O sol e o clima agressivos passam a se tornar coadjuvantes quando os personagens principais encontram a tal família, e o filme passa a ser de terror em seus moldes clássicos. Mesmo com essa mudança, o filme se sustenta, na maioria das cenas, pelas boas atuações. A personagem de Marie, que no início só queria proteger a irmã, cresce e se torna forte. Diante das adversidades, a personagem passa até uma mensagem feminista interessante, mas nada muito explícito.
A fotografia do filme é definitivamente o diferencial. Para o bem ou para o mal. Os tons pastéis excessivamente brilhosos estouram a primeira vista, assim como nos personagens, que não podem olhar diretamente para o sol, nem deixar os olhos expostos por muito tempo. O filme, nos seus minutos iniciais e finais, parece ter usado um filtro absurdamente claro em sépia nas filmagens, e na pós-produção, o brilho foi colocado pelo estagiário abusado. O fato é que o visual ficou extremamente interessante e nos coloca com uma pulga atrás da orelha com relação a esse tipo de acontecimento. O Sol e a Terra podem (quando quiserem) destruir ou dificultar a vida insignificante que temos por aqui. Somos formiguinhas na mão desse universo, e, no mísero ponto de vista, esse apocalipse é o mais possível, e o mais próximo.
Para escapar desse terrível fato que assola a humanidade, o filme assume um caráter esperançoso ao final, e nos revela aquilo que precisamos para continuar acreditando que é possível viver em paz nesse pálido ponto azul.
Dúbio na narrativa e no nome (Hell em alemão pode ser ‘’brilho’’ ou ‘’inferno’’. Sacaram a brincadeira com a luz, o sol e o inferno instaurado?), o filme se encaixa perfeitamente na nossa querida coluna. É falho, mas interessante e bem sucedido em diversos pontos. Perfeito para um dia tedioso.