Há uma enormidade de temas pertinentes para abordarmos depois de nossa trilogia de inauguração da coluna, tentando pincelar definições e entendimentos sobre RPG. Mas preferi fazer hoje uma indicação de um livro que poderá, e será, muito útil para os mestres de todos os níveis – neófitos ou experientes. Despreparado? Nunca! O guia completo dos mestres para preparação de sessões, escrito por Phil Vecchione (tradução de Fernando Pires), que chega ao Brasil por meio da Pensamento Coletivo.
O alerta da introdução já nos remete à uma realidade curiosa e que é facilmente percebida. Mesmo com a importância do Mestre, no que tange à preparação dos jogos da grande maioria dos sistemas de RPG usados (não digo totalidade, pois nem todos os sistemas precisam de mestres da forma convencional, mas veremos isso outro dia), quase não existem dicas para ajudá-lo nesta tarefa.
Confesso que adoro mestrar, mais do que de atuar como jogador. E adoro ainda mais a preparação do jogo com a criação de cenários, construção de personagens e de todo o roteiro de acontecimentos. Não me importo em gastar horas, dias, nessa preparação. Mas tal como Vecchione diz, nenhum de nós, rpgistas, fomos e somos ensinados à isso. E, por experiência própria, comecei a preparar meus jogos mais por intuição ou me baseando em aventuras prontas publicadas, do que por certezas.
A primeira vez que realmente me propus a mestrar foi para GURPS. De posse de minha cópia xerocada da primeira edição comecei a escrever, escrever e escrever de forma frenética tudo o que achava que deveria estar pronto para a aventura transcorrer sem problemas. Na prática, infelizmente, percebi que trabalhara exagerada e desnecessariamente. Desta forma precisei da prática para perceber isso e para solucionar, aos poucos, os problemas, tendo que testar e testar, aprimorando minha capacidade de criar as sessões da forma mais difícil. De qualquer forma tanto a primeira aventura que mestrei, como as seguintes, sempre foram divertidas, mas poderiam ter sido mais produtivas.
Mesmo trabalhoso esse caminho de aprendizagem é instigador, pelo menos para mim. Mas a falta de orientação e de um norte dificultou e assustou muita gente. Agora temos essa bela obra para servir como bússola.
Normalmente mestre tendem a tentar criar uma aventura perfeita com todos os elos interligados, todas as fichas dos moradores de uma vila ou cidade criadas e mapas para cada cantinho obscuro de um lugar. E não só isso. São folhas e mais folhas com todos os dados que vão de estatística de criminalidade à nível pluviométrico diário de todo um ano. Claro que esses exemplos são exageros propositais, mas apenas quero demonstrar que os mestres tendem a exagerar não, mas agregar informações que nunca vão precisar. E o entendimento para esse problema é simples – falta de segurança.
[quoteside align=”left” quote=”Mas não importa o quão bem conheça seus jogadores, haverá momentos em que eles fazem o inesperado” autor=” – Phil Vecchione”]
A liberdade no RPG inevitavelmente fará com que o mestre não consiga prever todas as ações possíveis do grupo. Essa consciência faz com que ele tome medidas exageradas para tentar sanar isso ou se resguardar pelo bem da própria diversão dos jogadores. Qualquer mestre que se preze sabe que um dos segredos de uma boa condução de aventura, e sua narração, é manter o ritmo e o foco dos jogadores para garantir-lhes uma plena imersão no ambiente criado. Os mestres, mesmo os experientes, tentam ter em mãos todas as informações que talvez precisem para que não quebrem esse ritmo. Volto à frase que abre esta coluna – “Mestrar é, de várias formas como o rádio, onde o silêncio é mortal”. Este é um subterfúgio simples para a falta de segurança. Nos cercamos de todas as informações, fazemos todos os mapas e criamos todas as fichas imagináveis. Quando muito usamos dez por cento de todo esse material que criamos.
O livro vem para solucionar este amarga desperdício de tempo e trabalho. Ele apresenta uma forma útil e prática para entendermos nossas aventuras desde a ideia inicial, desenvolvendo-a até o ponto de iniciar uma mesa com nosso grupo de jogadores. Alguns podem se perguntar se o livro não correria o perigo de instaurar uma padronização. Muito pelo contrário e Vecchione comenta isso claramente. Seu desejo é bem pelo contrário. Ele procura difundir que uma preparação e regramento na organização e criação da aventura é, não só necessário, mas fundamental, e que cada mestre deve descobrir a sua forma. Ele está regularmente reafirmando isso, o que me agrada muito, sempre incentivando que os mestres devem achar a “sua forma” de preparar e organizar as aventuras e de que não existem formas corretas, mas elementos corretos que devem ser priorizados por cada mestre conforme seu perfil de narração. Chegando neste ponto podemos dizer com segurança que o livro veio para dar dicas de como o mestre descobre a sua forma de se encaixar em uma preparação útil de aventura.
Mas ele não fica apenas nas questões subjetivas da criação da aventura. Toda a segunda seção do livro é dedicada às questões materiais como as ferramentas mais úteis, elementos físicos usáveis, o embate entre o papel ou o digital, a criação de mapas e até mesmo quais os melhores momentos para se utilizar de certas cenas ou o momento certo para o climax. Tudo isso ele debate sempre com o foco voltado para aquilo que cada mestre deve descobrir para si.
A terceira seção dele poderia ser vista como a cereja do bolo ou um plus à todas as indicações e sugestões: como direcionar o seu desenvolvimento como mestre conforme você vai ganhando experiência. A prática de mestrar está em constante evolução. Cada aventura que capitaneamos, cada grupo que formamos, nos devolve algo que vamos juntando ao nosso escopo de experiências e vivências. O mestre está sempre evoluindo com seus acertos e erros e nada melhor do que aprendermos em como tirar o melhor proveito dessa relação dinâmica.
[quoteside align=”left” quote=”Pense por um momento sobre suas fraquezas. Se você disser que não tem nenhuma, coloque uma mão sobre a mesa e bata nela com a lombada desse livro (ou seu tablet ou laptop) e tente novamente.” autor=” – Phil Vecchione”]
O livro é brilhantemente desenvolvido em uma linguagem extremamente acessível para novatos e prática para os veteranos. Outro ponto que facilita muito o entendimento para os dois extremos de mestres é que muitos exemplos vividos pelo próprio autor no seu dia a dia no rpg são usados para demonstrar elementos do texto, trazendo os leitores para mais perto ainda das experiências descritas e para o entendimento das sugestões apresentadas. Essa dualidade – autoconhecimento de cada mestre e exemplos práticos – cria uma didática infalível para o aprendizado e aplicabilidade do que a obra sustenta. Tudo isso facilita para que a leitura de suas quase cento e cinqüenta páginas sejam feitas de uma só vez.
Tenho certeza de que este livro merece estar em um lugar especial na prateleira de cada mestre, não como um manual, mais do que isso, como uma referência de como o mestre deve se relacionar com seu processo criativo e desenvolvê-lo.