Acessórios para sua sessão de RPG II – Música

No primeiro artigo no qual comecei a tocar no assunto, vimos três elementos de forma um tanto superficial e me arrependi de não ter ido mais à fundo no tema. Por isso resolvi ser mais metódico e detalhista no que tange à Música como acessório para sua sessão de RPG (e quem sabe até mesmo retornar aos elementos anteriormente apresentados).

O RPG, como já vimos, e como a maioria já sabe, é uma atividade socializante onde a interação é primordial. Esta interação está posta em dois níveis – entre os participantes (social) e com o cenário (imersão). Ao mesmo tempo em que os participantes criam uma relação entre si, eles também criam uma relação com o cenário, ao passo que vão (ou deveriam) pouco a pouco imergir dentro dele, criando uma verdadeira emulação de suas vidas ali.

Essa interação, o cerne do RPG, se dá pelos sentidos enquanto nos relacionamos com a história que é contada pelo mestre. Diferentes da natureza de muitos ‘jogos’ o RPG se vale de todos os sentidos de seus jogadores, ou deveria se valer. O Mestre tem a função de estimular esses sentidos, enquanto nos narra a aventura (conta a história), para assim conseguir com que nos sintamos dentro de um outro mundo. Neste ponto é que a música entra no universo do RPG.

Estamos acostumados a ver nosso mestre narrar de forma brilhante uma aventura, nos enriquecendo com detalhes e pormenores à cada cena e criando verdadeiramente, em nossa mente, um universo o qual nos sentimos participantes. Embora possamos apreender o que escutamos, como jogadores, este sentido – a audição – pode ser estimulada de outra forma o que, de maneira alguma, substitui a narração do mestre, mas a enriquece de uma forma que poucos se dão conta.

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Uma música (ou trilha sonora) nos possibilita vivenciar experiências diferentes daquelas que estamos acostumados durante uma sessão de RPG. Por mais que o mestre narre e se esforce, elementos sonoros podem estimular lembranças, sentimentos e sensações de uma forma diferente (e até mesmo única) de quando a estamos escutando atentamente em uma narração.

Ao mesmo tempo a utilização de música pode ser um elemento que dispersa a atenção e polui o ambiente de jogo, retirando ou dificultando a possibilidade de imersão do grupo.

Qual a medida certa?

O RPG é um encadeamento de acontecimentos seguidos pelas ações dos jogadores frente ao seu entendimento e relação com ambiente. Dentro disso, somado da ação do mestre, cria-se a emulação, ou seja, os jogadores vão sentido-se cada vez mais como partes do cenário. Lembro à todos que muitas são as visões sobre o ‘conceito’ do RPG e esta é minha visão – diversão buscando emular ao máximo uma realidade fantasiosa.

Dentro desta visão, elementos para trazer aos jogadores um sentimento que emule ao máximo sua presença em outro mundo, o mestre pode se valer do recurso da música para ajudar na tarefa. Mas como tudo, esse recurso deve ser usado de forma responsável e cuidadosa.

Muitos mestres (e grupos) consideram que uma boa trilha sonora seria simplesmente composta por músicas de alguma banda de metal medieval (nunca entendi essa nomenclatura), normalmente nórdica, em uma eterna repetição enquanto o grupo joga por horas à fio. Errado. Isso não é trilha sonora. É sim uma forma muito simples de tirar a atenção do grupo e dificultar a aproximação dos jogadores de um sentimento de pertencerem e vivenciarem o cenário. Normalmente este tipo de música é quase que uma unanimidade entre muitos jogadores de RPG. Quantos já jogaram ao som da música de bandas como Rhapsody e Blind Guardian? Eu mesmo uma enormidade de vezes muitos anos atrás. Adoro a banda e nunca canso de escutá-la. Mas há diferença entre preferência musical e utilidade em jogo.

Certa vez, em meio à um aventura em Terra Média, estávamos escutando Blind Guardian, não lembro qual cd. Depois de uma longa batalha com algumas mortes o mestre preparou toda uma cena com uma narração emocionada sobre a perda de nossos amigos de aventura. Era para ser triste e marcante, quando de repente entrou um par de guitarras rasgando o silêncio e a emoção, quebrando totalmente nossa imersão. Naquele momento exato caiu a ficha de todos os participantes do grupo. Toda a cena, e o sentimento que ela estava gerando, perdeu-se por um rif de guitarra. Nunca mais usamos música em nossas sessões da mesma forma. Notamos que ela prejudicava mais do que ajudava principalmente quando a intenção do grupo era a emulação o mais próximo possível da realidade. Percebemos que muitas vezes ela nos tirava a atenção nos fazendo comentar sobre uma composição, trocar de assunto nos levando para longe do cenário, ou mesmo nos fazendo esquecer de tudo enquanto apreciávamos belíssimas composições.

A música utilizada de fundo, ou mesmo como trilha sonora, deve servir como um reforço daquilo que está acontecendo ou do clima que o mestre deseja passar ao grupo. Ela deve estar em um mesmo degrau de sentimento com o que o mestre deseja nos fazer sentir. Um exemplo muito claro, e que todos rpgistas devem conhecer, embora seja em uma outra mídia, se passa no primeiro filme da trilogia Senhor dos Anéis. Logo nas primeiras cenas, quando é introduzido o cenário do Condado, a composição “Concerning Hobbits” de Howard Shore nos remete à um sentimento que nos acompanha por todos os filmes e além. Poderíamos não ter lido os livros ou nem ao menos saber do que se tratava a história e o local, mas a música nos passava alegria, tranqüilidade e quietude. Imaginem a mesma cena ao som de “In Tenebris” do Rhapsody? Impossível.

Usar música em uma sessão de RPG com a intenção de agregar valor e clima à ambientação do grupo não é simples. Requer preparação e esforço. Não imaginem que basta baixar um cd inteiro de alguma banda ou um arquivo intitulado as melhores músicas de fantasia. Os mestre terá muito trabalho pela frente se desejar aprimorar a tarefa de melhorar ainda mais a ambientação.

O mestre, de antemão, tem noção do que o grupo vivenciará em uma sessão ou campanha. Claro que não totalmente, mas ele sabe (por ter preparado tudo) o tema que a aventura terá. Ele tem noção da natureza dos combates, dos ambientes que o grupo de aventureiros encontrarão nas cidades, dos locais que eles serão induzidos a freqüentar e as pessoas com quem terão de trocar informações. Esse é primeiro passo para se criar uma trilha sonora adequada para uma ambientação.

De mão disso vem a parte mais trabalhosa – a pesquisa. O mestre terá que pesquisar temas musicais para as cenas e momentos do jogo. A única maneira de fazer isso é indo para seu perfil do Spotify ou no Youtube e gastar muito tempo para lá e para cá. E posso dizer por experiência própria que existe um material gigantesco para ser utilizado.

Com a pesquisa sendo realizada, o mestre tem de levar em consideração os tipos de música e som que ele precisará. Não há uma fórmula exata e a medida certa está relacionada com o clima da aventura. Por exemplo, uma música apropriada para a cena de uma taverna no cenário de Dragonlance não deverá ser apropriada em uma taverna em Ravenloft, muito menos em uma taverna em um porto pirata de qualquer cenário. Já um tema para combate tem mais chance de ser usado em várias aventuras sem prejuízo. O que desejo mostrar aqui é que está nas mãos do mestre, conforme a aventura que está sendo jogada, qual trilha melhor se encaixará à sua proposta e cenário. Você pode ainda, se desejar (e tiver conhecimento) editar as músicas, mas isso fica à cargo de cada mestre. O mestre vai criando assim, com o tempo, um verdadeiro banco de dados de temas musicais.

Mas como vamos efetivamente usar essas músicas? Primeiramente deve ficar claro que não é necessário que haja música por todas as várias horas de aventura. Não pensem que terão de criar uma trilha sonora de várias horas com centenas de variações. Os temas musicais devem ser usados com cuidado e em momentos exatos – ou seja, mais trabalho para o mestre.

Como a trilha sonora pode ser usada? Eu divido em quatro tipos. Os temas de fundo são aqueles que serão usados por mais tempo ao longo da sessão. Normalmente eles são introduzidos à cada troca de cena/capítulo e reflete o clima do que está acontecendo naquele novo começo. Podem representar a chegando à uma nova cidade, uma viajem que esteja sendo realizada, o retorno para casa, a preparação para enfrentar um perigo etc. Os acontecimentos genéricos desta cena/capítulo vão acontecer ao som deste tema.

Os temas de ambientes são aqueles que representam ambientes específicos com os quais o grupo se relaciona, desvinculando-o do tema de fundo. Normalmente são cenas menores dentro de um capítulo que podem representar um clima diferente ou não. Momentos ideais para isso são temas para tavernas, lojas, momentos festivos (ou mesmo festivais), para o mercado, ao redor da fogueira, dentro do castelo etc. Esses dois temas – de fundo e de ambientes – serão os mais utilizados ao longo das sessões.

O terceiro seriam os temas de ação. Como o próprio nome denuncia, seriam os temas para os momentos de combate, de perseguição ou de tensão como um todo. Nem sempre eles precisam ser explosivos e retumbantes. Muitos momentos de tensão, como invadir um local (seja uma dungeon, uma casa ou mesmo o covil de um lich), merecem um tema apropriadamente sombrio e funesto.

Por fim, a cereja do bolo – os temas especiais. Esses temas seriam aqueles escolhidos à dedo pelo Mestre para representar momentos, locais e personagens especiais para a trama. Estes serão os temas tocados apenas em momentos específicos justamente para marcar os jogadores com todos os sentimentos que possam ser aliados à ele. Seria algo como o antológico tema do filme Tubarão. Ela poderá marcar os jogadores à ponto de apenas por escutá-la já anteciparem os sentimentos (bons e ruins) do que ela precede.

Mas toda essa técnica também precisa de cuidados e parcimônia. Tenha calma para usar os temas musicais. Tanto o grupo tem de se acostumar com essa novidade, quanto você (mestre) também deve se acostumar com seu uso. Inicialmente use um ou dois temas para alguns momentos, como uma luta ou na taverna, e aos poucos vá ampliando seu uso. Não esqueça de que os temas musicais são uma música incidental e não exagere no volume – todos devem escutá-la sem que atrapalhe os diálogos ou a narração. Vá experimentando e ampliando o uso aos poucos. E nunca se esqueça de ser sensível à receptividade do grupo. Tudo o que fazemos é para a diversão de todos, então aceite sugestões, críticas e mesmo os elogios.

O uso de temas musicais se torna, gradativamente, uma mania (pelo menos comigo foi assim) e estou sempre procurando um tema novo para varias e melhorar ao máximo a ambientação de minhas mesas.

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