A Guardiã de Histórias é o primeiro livro do que é, até o momento, uma duologia (um possível terceiro livro foi comentado em 2015, mas não houve mais notícias sobre a publicação). Antes de mais nada, acho importante frisar que esta é uma história que tem grandes méritos e falhas, muitas vezes nos mesmos elementos. É estranho explicar dessa maneira, no entanto, também é provavelmente o jeito mais fácil.
O livro de Victoria Schwab conta a história de Mackenzie, uma adolescente que herdou do avô o posto de Guardiã. Guardiões são pessoas que rastreiam e retornam Histórias que fugiram do Arquivo – o lugar de “descanso eterno”. Quando uma pessoa morre, ela se torna uma História. Quando sua paz é por algum motivo interrompida e ela desperta, essa História passa por um processo rápido e instável de degradação mental, “desgarra”, se torna violenta e pode ser um perigo para as pessoas normais – vivas – se conseguir passar pelos corredores que separam o Arquivo do mundo normal. Além disso, a protagonista precisa lidar com a mudança da família e a presença de lembranças estranhas guardadas nas paredes de seu novo lar.
Entre os pontos ambíguos da história – aqueles que podem ser positivos para alguns leitores e negativos para outros – está o próprio arquivo. Toda fantasia precisa da imersão do leitor. Se você não estiver disposto a aceitar que existe uma biblioteca em algum lugar na qual cada livro é uma pessoa – uma representação fiel do que o corpo de alguém foi antes de essa pessoa falecer, que serve de receptáculo para tudo o que aquele ser humano específico experimentou e vivenciou em vida, o livro não vai funcionar para você. A autora não explica em detalhes a mecânica do arquivo ou do surgimento de novas histórias – ela não conta ao leitor, nem mostra, como uma pessoa falecida se torna uma história. Ao invés disso, Schwab dá as regras: Existe o arquivo, existe o corredor, existe o mundo real e cada um deles funciona de um jeito. Muito fica aberto à interpretação, o que não é tão comum quando se trata de literatura juvenil/YA e pode deixar alguns leitores confusos ou frustrados.
Outro ponto que vale ressaltar é que, ao invés de dar justificativas pobres para decisões repentinas dos personagens, a autora prefere simplesmente narrar suas ações com uma naturalidade ambígua, deixando o leitor definir sua própria opinião sobre o que está acontecendo. Onde alguns verão instalove, outros enxergarão uma mistura de hormônios adolescentes, curiosidade e desespero.
Expostas as ambiguidades do livro, para aqueles que ainda estiverem em dúvida, fica um ponto forte: O luto. Embora muitos dos livros adolescentes da atualidade lidem com morte, no caso da fantasia, a maioria se desvia do luto usando de artifícios como “eu vejo gente morta” ou “eu sou uma criatura eterna”. Os protagonistas simplesmente não precisam dizer adeus, porque há alguma força ou poder que permite contornar até mesmo o fim da vida. A Guardiã de Histórias vai por outro caminho, mostrando ao leitor o processo de aceitação e a problemática familiar de lidar com o falecimento de alguém importante. Mais do que isso, a história permite entender e empatizar com um sentimento com o qual nem todos já tiveram contato (ainda mais levando em conta a faixa etária do público alvo da publicação): a saudade de um ente querido falecido. A dor de uma ausência física e afetiva, os resquícios de dor que permanecem muito tempo depois da perda, a estranheza de se referir a alguém no tempo pretérito.
Talvez a maior dificuldade de resenhar com justiça um livro como esse esteja na certeza de que é uma história que tem potencial para ser absurdamente decepcionante ou absolutamente fantástica.
Pesando os prós e contras, a leitura teve saldo muito positivo. Sem pretenções ou expectativas específicas, a narrativa da autora fluiu, envolveu e entregou uma história diferente e instigante. Se você é o tipo de leitor que precisa de explicações detalhadas sobre a origem das regras do jogo numa leitura, desaconselho A Guardiã de Histórias; No mais, é um livro que definitivamente vale a pena ser lido.