Após longos 11 anos desde o lançamento do original American McGee’s Alice, sua continuação, Alice: Madness Returns, é um action platformer competente no que faz, mas ao mesmo tempo traz tantos defeitos que o torna muito perto de ser uma experiência medíocre (ou até mesmo péssima, o que talvez tenha acontecido para muitos fãs do título que iniciou essa série).
O primeiro ponto a se comentar é que ele não é tão assustador quanto possa parecer à primeira vista, especialmente por ser vendido como “jogo de terror psicológico” [footnote] (e quem vos escreve é bem cagona pra títulos desse naipe, então confie em mim quando digo que jogo é bem mais suave do que isso em geral)[/footnote]. Não há sequer uma espiral de desconforto desenvolvida ao longo dos capítulos; o jogo só começa a gerar um certo incômodo MESMO a partir do quinto e penúltimo capítulo, tanto quando presenciamos (brevemente) uma Alice debilitada vagando em um hospício — e presenciando bizarrices nas mãos de Tweedledee e Tweedledum — quanto no momento em que adentramos no universo das bonecas assassinas e disformes. Fora isso e o que acontece depois, todo o resto realmente não faz jus à imagem alimentada pela EA, especialmente pelos trailers da sua época de lançamento. Não dar medo não é um demérito per se, mas pode comprometer um pouco caso alguém esperava levar uns sustinhos ou só ficar tenso.
Da história, sabemos que Alice tornou-se órfã ainda criança, quando um incêndio destroçou sua casa e matando tanto os pais quanto a irmã. Mentalmente em ruínas, ela passou a ser internada em um hospício e recebeu atendimento psicológico por anos – ainda assim, apresentava pouca melhora. Quase amnésica de seu trágico passado, ela volta ao País das Maravilhas não só descobrindo que ele estava em perigo, como também precisa saber o que originou o catastrófico trem infernal que tem corrompido seu mundo. Paralelamente, Alice tenta entender a causa real do incêndio, visto que as explicações dadas pelos adultos ao seu redor não parecem fazer o menor sentido à medida que a garota se aprofunda cada vez mais em seus fragmentos de memórias.
O que faz este Alice brilhar é sobretudo a direção de arte. A beleza dos cenários é estonteante e o character design é certeiro ao representar os efeitos da corrupção do País das Maravilhas e a melancolia do ‘mundo real’ da protagonista. Cada capítulo conta com “domínios” fortemente tematizados e com um estilo visual bem unificado. Em dado momento, estamos percorrendo grandes pedaços de gelo e cidades submersas, enquanto em outro somos brindados por um mundo feito de porcelana, leques e vespas samurais. A trilha sonora é satisfatória no geral, por vezes tornando-se delicada de uma forma desconcertante graças ao contraste da destruição e morte pulsantes no âmago deste mundo. Ponto positivo também para as armas de Alice, conceitualmente bastante originais em comparação à outros títulos de fantasia: um coelhinho de brinquedo como explosivo, um guarda-chuva de defesa, uma faca decorada, um moedor de pimenta gigante, um cavalinho de brinquedo e um bule de chá com granadas líquidas.
Infelizmente, fator eyecandy dificilmente carrega um jogo inteiro nas costas e é aí que Alice começa a sofrer. O jogo é muito, mas MUITO mais longo do que o necessário, arrastando as horas pra chegar ao fim e, por consequência, tornando as batalhas cada vez mais repetitivas (e, não raro, pioradas por causa da câmera quando no modo travado). Quase todas as armas e possíveis abordagens de atacar e defender são reveladas nas primeiras horas e os inimigos, embora contem com uma variedade razoável, são apresentados a conta-gotas — e isso quando os mesmos também não se repetem no meio dos novos, às vezes chegando a ter uma skin ligeiramente diferente. Minigames como esse eventualmente aparecem no meio das partidas e, pessoalmente, não gostei de nenhum: seja por serem pouco inspirados, seja por serem chatíssimos na execução (quando não repetitivas). Ah, e só existe uma única boss battle no jogo inteiro. Em termos de jogabilidade, é um dos pontos mais baixos do jogo, pois para vencê-la, basta esquivar toda hora e usar o moedor. Sério, você sequer precisa pôr em prática (quase) tudo o que aprendeu ao longo da jornada.
Nem mesmo a história se salva muito na situação; a grande maioria dos detalhes narrativos aparece como itens escondidos nos cenários, esticando mais ainda o tempo de jogo e facilidando o risco de perdê-las de vista. Por conta disso, as esparsas partes obrigatórias do enredo tornam-se tão secundárias (e até meio confusas) que mal dá para se importar com elas ou mesmo acompanhá-las direito; a sensação, creio eu, é que não parece ter havido um esforço muito grande em torná-las coerentes. Em suma, o ponto alto da obra original acaba sendo jogada de escanteio, o que talvez pode vir a ser particularmente decepcionante para quem aprecia bastante a obra de Lewis Carroll.
Na soma das partes, Alice: Madness Returns acaba se tornando uma “mixed bag” e cujo brilho é fatalmente sugado em grande parte pelo seu caráter repetitivo; até a trilha usada em um dos capítulos permanece idêntica em outro capítulo posterior, por exemplo. Mas, apesar de tudo isso — o que não é pouco —, ainda assim foi uma experiência interessante o suficiente de presenciar.
Só por ser uma releitura com o “twist” da loucura consumir Alice e sua percepção de mundo, somada à revelação meio perturbadora no final envolvendo um certo personagem importante, já vale pela sua atenção. Por isso, meu conselho é que você dê uma chance ao jogo em uma boa promoção (e use uns guias pra melhorar a experiência e destravar os DLCs estranhamente ocultos por código).