Todo mundo já viu algum grau de erotismo ou pornografia presente em praticamente todas as mídias conhecidas. Mas e quanto à crescente indústria dos joguinhos? É fácil ver de que, assim como no cinema, os jogos sequer começaram a engatinhar que já apareceriam os primeiros títulos com, no mínimo, alguma influência sexual.
Esta história é contada por Brenda Romero em seu livro Sex in Videogames (2006), mas não só isso. Nele, a autora separa e explica os vários níveis e aplicação em que o sexo, definido por ela desde um flerte inocente às simulações hardcore/fetichistas, se manifesta. Como, por exemplo, sexo como mecânica, como recompensa, como estética… Isso sem mencionar os aspectos legais, financeiros, sociais e éticos que os cercam – basta nos lembrarmos do alvoroço, em 2005, gerado por GTA San Andreas devido ao mod Hot Coffee. Mas isso será melhor abordado depois. [footnote]Outro livro que possui o mesmo objeto de pesquisa, mas menos aprofundado e bem mais abrangente, é Porn & Pong (2008) por Damon Brown.[/footnote] Caso se interesse, você pode ler uma amostra do primeiro capítulo no Gamasutra, junto de uma resenha. Ou em versão PDF.
Sendo assim, este texto é parte resumo de alguns capítulos do livro e parte resultado das pesquisas que fiz, complementando alguns dados e atualizando a lista para alguns títulos mais recentes. Além disso, as citações grandes são excertos que extraí e traduzi diretamente do livro.
Arcades
“Quase desde o início as máquinas de arcade foram associadas com sexo, em grande parte por causa dos joysticks que se tornariam populares no início dos anos 70. Em uma entrevista para o G4 TV, (…) Nolan Bushnell, fundador da Atari, criador de Pong (1972) e do primeiro arcade, Computer Space (1971), disse que quase todo mundo falava de joysticks como aparelhos fálicos (…). Embora muitos achem que o esse nome é único aos jogos, na verdade ele vem do campo da aeronáutica e crê-se ter se originado no início do século 20″.
Em 1973, seria lançado também pela Atari Gotcha, em parte como resposta aos “controles fálicos”, substituindo-os por duas saliências rosas. Ele foi motivo de controvérsia na época porque… os controles remetiam peitos. Bom, a própria mecânica que dá título ao jogo também não ajuda muito. Mais tarde os controles foram substituídos pelos joysticks tradicionais.
Brenda lembra de que, em comparação aos PCs e consoles, existiram pouquíssimos jogos de arcade cuja temática central fosse sexo. Não por menos, já que eram máquinas normalmente acessadas em locais públicos por qualquer pessoa. Alguns títulos lembrados por ela são: Sex Trivia (1985), Miss Nude World (1996), Pushman (1990), Zero Zone (1993), Las Vegas Girls (1994), Fantasia, Gal’s Pinball (1996) e, como não poderíamos deixar de esquecer, Boong-Ga Boong-Ga (2001), no qual era possível simular um kancho…
Início das redes
“Antes das redes para jogos aparecerem, jogar em computadores era uma atividade relativamente solitária. Até que os jogadores pudessem se conectar online, seja por modem ou por redes da academia como o sistema PLATO, os únicos jogos multiplayer eram aqueles nos quais duas pessoas se sentavam próximas umas das outras”.
É neste período, mais especificamente 1978, em que nascem os MUDs, ou Multi-User Dungeon. Inicialmente, eles funcionavam como adventures de texto online, e Brenda explica que eles eram acessíveis e fáceis de entender, permitindo com que a comunidade de jogadores florescesse. E isso porque o acesso à “pré-internet” era restritíssimo. O jogo, que hoje dá nome ao gênero, foi criação de Richard Bartle e Roy Trubshaw.
“Quando jogadores se unem, particularmente se eles tiverem acesso a uma interface de bate-papo, comportamento sexual emergente acontece com frequência. Sexo emergente, assim como gameplay emergente, é algo que acontece fora do design ou conjunto de regras planejadas do jogo”.
A primeira ocorrência teria acontecido não em MUD, mas em outro jogo chamado Shades (1984) quando o mesmo alcançou os Estados Unidos. Seu criador, Neil Newell, era um ávido jogador do MUD original e decidiu fazer sua própria versão, a qual foi lançada na Micronet. [footnote]Este texto do Games.World explica com mais detalhes sobre o histórico do jogo segundo algumas antigas revistas sobre computadores.[/footnote]
“Eu diria que o ‘cybersexo’ emergiu em Shades simplesmente porque foi o primeiro jogo a dar aos jogadores uma área privada garantida. Naquela época, todos os outros jogos davam poderes ilimitados para os jogadores de níveis altos para verem tudo o que outro jogador fazia”, explica Newell à Brenda. “Shades, em comparação, tinha ‘safe areas‘, onde [a opção de] lutar estava desativado e bisbilhotar era impossível (até mesmo para programadores e administradores) (…)”. Newell só perceberia que o sexo emergente passaria a se manifestar em 1986, dois anos após o lançamento do jogo.
A partir daí, era só questão de tempo até aparecer o primeiro MUD de sexo. Um dos primeiros foi Zone (1987), abreviação de “erogenous zone“. Void (1990), jogo gratuito que sobrepôs a popularidade de Zone (um pay-for-use), não era puramente sexual, mas permitia tal finalidade e incentivava todo tipo de interação social.
Por último, vale citar que também existem os chamados Furry MUCKS, uma variação dos MUDs voltados para… bem, o fandom de furries. Há até mesmo códigos verbais próprios para facilitar a busca de um perfil específico de furry, inclusive com viés BDSM.
BBS Doors
Ainda na era pré-internet, existiam os Bulletin Board System, que funcionavam mais ou menos como provedores web. [footnote]Este texto dá uma explicada boa de como era.[/footnote] Era possível fazer várias coisas, desde baixar software e ler notícias a mandar mensagens e conversar online. E tinha jogos, é claro, que teriam entrado em cena lá por 1982, mas só decolariam de popularidade no ano seguinte.
De acordo com Jason Scott, diretor do BBS: The Documentary, o filme Jogos de Guerra, também de 83, teve muita influência na compra de modems. É sobre um homem que teria acessado acidentalmente um computador militar secreto e quase colocado o mundo em uma Terceira Guerra Mundial. Dessa forma, o que era domínio apenas de pessoas como engenheiros, mini gênios e acadêmicos, os modems agora estavam presentes em milhares de lares.
“Jogos do BBS Doors eram tão variados quanto os jogos de sexo de hoje. Alguns possuíam salas nas quais jogadores podiam entrar para fazer cybersexo uns com os outros. Já outros tinham trivias, adventure e RPG. (…)”
Atari
Na era dos pixels gigantes e desengonçados, a companhia Mystique certamente foi a que mais teve visibilidade na produção de jogos pornôs para o Atari 2600, vendendo sob a marca Sweddish Erotics. Seus dois primeiros títulos, lançados em 1982, seriam os bizarríssimos Beat Em’ & Eat Em’ e seu “reskin” Philly Flasher. Nele, ao invés do conhecido homem-britadeira, temos uma bruxa derramando gotas de uma poção mágica [footnote](segundo o manual, veja bem…)[/footnote] para dois prisioneiros pegarem com a boca. A jogabilidade, inclusive, é praticamente uma cópia de outro jogo, Kaboom! (1981).
A Playaround, que compraria os direitos de alguns jogos da Mystique, é a responsável por tais reskins – supostamente com o objetivo de torná-los mais, err, interessantes para o público feminino – e possivelmente os primeiros a terem tal iniciativa com jogos sexuais. Gigolo (1982) se tornaria Cathouse Blues, Bachelor Party (1983) viraria Bachelorette Party e assim por diante.
Mas é claro que, como todo mundo sabe, a Mystique seria a fonte da discórdia ao lançar o infame Custer’s Revenge (1982), talvez o primeiro simulador de estupro já inventado. [footnote]Quando lançado na Europa, o jogo foi renomeado para Westward Ho, cuja maior diferença é o fato da índia Revenge acenar para Custer, atenuando o conteúdo do original. Ela também não aparece amarrada na capa. E, assim como os demais, recebeu um reskin invertendo os papéis chamado General Re-Treat.[/footnote] Entre os protestos de grupos de mulheres, anti pornografia e nativos americanos, houve também manifestantes em frente ao escritório da companhia, alguns dos quais traziam cartazes dizendo “Custer’s Revenge alega que estupro é divertido”. E, devido à visibilidade inevitável gerado pela controvérsia, vendeu cerca de 80 mil cópias antes de tirarem-o das prateleiras.
Ainda em 1983, sairia X-Man, o único lançamento da Universal Gamex e um dos jogos pornôs do console que sairia no Brasil. [footnote]”Para provar que jogos adultos não precisavam ser ofensivos ou chatos, [Eugene] Finkei e [Alan] Roberts estão trabalhando duro em comercializar seus jogos (…). Até o momento, a resposta [em relação à X-Man] tem sido muito boa na Europa, mas não tão boa assim nos Estados Unidos. (…) ‘Nós tínhamos esperança de que, se tivéssemos sucesso com X-Man, a gente poderia criar um jogo similar para mulheres, um em que haveria conceitos os quais apelariam especificamente para mulheres'”, segundo esta edição da Videogaming. [/footnote] Eis o scan de um maravilhoso catálogo que encontrei.
Por fim, para alguns dos computadores de 8 bits da Atari, saíram títulos como Don’s Ball, Space Pussies e Strip Blackjack, indo desde a uma simulação de pinball às mecânicas conhecidas em jogos como Galaga (1981) e strip poker.
Apple
“Lançado em 1977, o Apple II havia saído não fazia muitos anos quando uma companhia, conhecida como On-Line Systems (depois renomeada para Sierra Online e, hoje, apenas Sierra), lançara o jogo Softporn Adventure, por Charles Benton. Assim como era comum com os jogos lançados no início dos anos 80, ele era feito de texto puro. (…) Apesar da indústria ainda não ter desenvolvido um sistema classificatório formal em 1981, Softporn Adventure incluía um auto imposto ‘R’, além de um aviso de que o jogo era somente para adultos”. [footnote]No site da Atlantic é contado vários detalhes sobre seu histórico, considerado o primeiro título pornô lançado comercialmente para computadores (putaria gratuita feita em código ASCII, por exemplo, já existia há tempos).[/footnote]. O jogo vendeu 25 mil cópias na época, algo bem impressionante porque “apenas” 100 mil Apple II foram vendidos até então, além da pirataria já estar em voga. [footnote]Funfact: “De acordo com uma entrevista na revista Time, em 1981, a On-Line supostamente tinha uma versão para mulheres heterossexuais em desenvolvimento”, segundo consta o site Ugo.[/footnote]
Outro jogo pioneiro no que fazia é Artworx Strip Poker (1983), dado como o primeiro jogo de strip poker para PC’s, portado pra um monte de plataforma e a série mais longeva de temática erótica da história, segundo Brenda.
Lá por 1986, jogos sexuais de comédia começaram a brotar no mercado, sendo um dos primeiros Leather Goddesses of Phobos, um caso incomum de jogo no qual primeiro definiram o nome e só depois tentaram encaixar o conteúdo. Tudo por causa do seu criador, Steve Meretzky, que teria escrito marotamente o nome numa grade da Infocom, onde listavam-se todos os produtos lançados pela empresa. Posteriormente, esse mesmo cara participaria em outros lançamentos do gênero, tais como a série Spellcasting 101 (1990~1994) e Rex Nebular and the Cosmic Gender Bender (1992).
A série mais famosa de todas, é claro, começou com Leisure Suit Larry and the Land of the Lounge Lizards (1987), inspirado em Softporn Adventure e que tá aí com suas tantas sequências. Ah, ele também foi o primeiro a incorporar um sistema de verificação etária, através de um questionário. Não necessariamente muito eficaz, mas…
Spectrum
“O Sinclair ZX Spectrum foi um computador doméstico acessível lançado em 1982, principalmente no Reino Unido. Ele era relativamente fácil de programar e vinha com uma saída em cores para TVs. Era só questão de meses até que os primeiros jogos de sexo fossem lançados”.
Só em 1983, o grupo Silverfox já lançaria parte dos títulos da Mystique/Playaround, como Beat ‘Em & Eat ‘Em e Philly Flasher, além de outros como Sex Invaders e Solo Adventures. “Na maioria das vezes, como acontecia com outros jogos de PC no início dos anos 1980, eles eram criados por uma única pessoa e vendidos através de pequenos anúncios estampados atrás de revistas técnicas, ou mesmo de um amigo para outro”.
Em World of Spectrum, há uma lista enorme com mais de uma centena de títulos de conteúdo sexual, graças às comunidade prolíficas de desenvolvimento que existiam no Spectrum Sinclair, como o bizarramente competitivo Fantasy: An Adult Game (1987).
Mac
Apesar dos Macintosh não abrigarem tantos jogos de sexo comerciais em comparação a outras máquinas, dois lançamentos se tornaram um “marco absoluto” na história do sexo nos joguinhos: MacPlaymate (1986) e sua pseudo-sequência, Virtual Valerie (1989), este último o primeiro produto adulto em CD-ROM lançado para computadores domésticos. [footnote]No Game Studies, Terry Harpold disserta sobre as mecânicas de Virtual Valerie a partir da segunda metade do texto. A justificativa sobre o computador reiniciar caso você recuse o convite de Valerie é muito interessante.[/footnote]
Apesar do autor Mike Saenz afirmar em 1992, num artigo da Compute! Magazine, que sexo no computador era “essencialmente ridículo” e que sua criação nada mais era do que uma ~~paródia~~ das típicas fantasias masculinas, MacPlaymate deu corpo à categoria mulheres virtuais nos jogos, servindo de inspiração para inúmeros outros, tais como Orgarsm Girl, 3D Playmate, Virtual Hottie, Virtualfem e VirtuallyJenna. Posteriormente, Virtual Valerie chegou a ter uma versão Director’s Cut, acrescentando um “medidor de reação” sexual para sinalizar seu nível de excitação e itens a mais no guarda-roupa.
Commodore 64 | Amiga
“Apesar de muitos jogos de sexo terem sido lançados para a plataforma, um dos mais proeminentes foi o lançamento da Avalon Hill, Dr. Ruth’s Computer Game of Good Sex (1986) – além de ter sido um dos primeiros jogos licenciados do gênero”. Basicamente, é um jogo educativo de perguntas e respostas cujas informações derivam da sexóloga Ruth Westheimer, uma figura famosa na década de 80 (segundo o que li), autora de alguns livros também sobre educação sexual e que permanece ativa até hoje nas internetz. Ah, ele também pode ser jogado em um “multiplayer local” com até sete participantes, caso você tenha amiguinhos interessados em sexualidade para se divertir.
No mesmo ano, é também lançado outro título conhecido do C64: Samantha Fox Strip Poker. Apesar dele possuir menos peso histórico do que o Artworx Strip Poker no Apple II, foi uma oportunidade de angariar novos fãs da cantora e modelo britânica e, é claro, agradar os já estabelecidos com sua versão pixelada de topless.
Segundo Brenda, o C64 teve um bom apoio da comunidade de desenvolvedores independentes, criando desde o adventure de texto Quest for the Whorehouse Queen (1986) ao “apropriadamente intitulado” Sex Games (1985), lançado pela Landisoft. Além desses, há também o, hã, peculiar Stroker (1983), essencialmente um simulador onanista cujo desafio é manter determinado ritmo até atingir o orgasmo.
Conforme o C64 dava espaço para o superior Amiga, jogos de sexo continuaram a manter sua popularidade – ainda mais com as melhorias gráficas de um pra outro. Dos poucos títulos mencionados no livro, temos Geisha (1990), Emmanuelle: A Game of Eroticism (1989), o qual se passa pelo Rio de Janeiro (!) e mais outro título da Artworx, Centerfold Squares (1988).