Breve História do Sexo nos Videogames – Parte 3

AVISO: Tem nudez parcialmente explícita dessa vez. Caso tenha vindo agora:
parte-2

O PC Moderno

Quando falamos de títulos AAA, sejam aqueles vendidos em varejo (como a Waltmart ou Best Buy) ou em plataformas digitais importantes (tanto nos consoles quanto o Steam), é nesse momento em que o ESRB torna-se, digamos, preocupante. Para entender isso melhor, pense em títulos ou franquias famosas que incorporam sexo em algum nível: Mass Effect, Dragon AgeThe Witcher, GTA, The Sims… Mesmo quando são classificados como Mature, é bem mais fácil ver cenas violentas do que de sexo (e às vezes nudez) realmente explícitas. O motivo para isso chama-se Adults Only, parecido com o nosso “+18”.

singles flirt up yout life screenshot
Singles (2003)

Um único ano de diferença é o suficiente para transformar um lançamento em suicídio comercial, pois nenhuma proprietária dos consoles principais no mercado vai aprovar a publicação e distribuição de um jogo sob este selo – gerando, assim, um círculo vicioso que afeta diretamente a qualidade da mídia e, ao mesmo tempo, encolhendo o alcance de potenciais compradores.

Algumas companhias com títulos AO tentaram contornar tal restrição fazendo uma versão modificada para conseguirem a marcação M e, dessa forma, viabilizar a venda da mídia física, como aconteceu com Leisure Suit Larry: Magna Cum Laude (2004) e Singles: Flirt Up Your Life (2003). A única diferença de um pra outro no caso de Singles é que a versão AO contém nudez frontal completa, enquanto a versão M traz os clássicos mosaicos de The Sims. E o sexo? Devidamente acobertado em ambos. Quem quisesse as versões originais de jogos como esses só as conseguiriam via web, e isso quando as vendas de jogos digitais estavam longe de ser uma prática comum como agora.

Como dá para imaginar, o que era razão suficiente para um jogo ser taxado de AO há dez anos parece exagerado para os valores de hoje. Outro caso famoso que acabou sofrendo pressão para tirar conteúdo ~picante foi Fahrenheit (2005), cuja versão para os EUA foi renomeada para Indigo Prophecy. Segundo a própria página oficial da edição remasterizada, o lançamento original teria acontecido sem grandes problemas se não fosse a reação escandalosa dos norte-americanos frente ao mod Hot Coffee, fazendo com que a ESRB “nos pedisse para revisar nossas normas em todos os jogos os quais foram recentemente avaliados, mas não lançados ainda”, nas palavras de um produtor da Atari. Resultado, a Quantic Dream editou e removeu várias cenas para conseguir publicar o jogo no PS2 e no Xbox.

Eis uma das cenas omitidas de Fahrenheit, a qual está totalmente disponível na versão remasterizada lançada em 2015 e sob o selo Mature.
Eis uma das cenas omitidas de Fahrenheit, a qual está totalmente disponível na versão remasterizada lançada em 2015 e sob o selo Mature.

Essa prática de autocensura pra permitir vendas mais abrangentes existe até hoje, mas com certas visual novels que queiram entrar no Steam. Mesmo quando não há sexo (necessariamente, veja bem) e o nível de nudez é basicamente o mesmo que você veria em vários jogos ocidentais, há casos em que os desenvolvedores devem escondê-la pra serem aprovados. [footnote] É só achismo, mas talvez isso tenha relação direta com a aparência infantilizada de boa parte das personagens que costumam aparecer no gênero.[/footnote] Às vezes, os próprios devs fornecem instruções acompanhadas de um “patch hentai” para que os jogadores possam burlar a versão amenizada, como ocorre em HuniePop (2015), Everlasting Summer (2014) e Sakura Swim Club (2015). Isso, é claro, se você não for adquiri-los pelo site oficial diretamente ou em lojas de nicho que aceitem vendê-los sem cortes; A Amazon é uma forte exceção de loja grande que aceita vender todo tipo de coisa relacionada a sexo, especialmente a japonesa.

É possível que a situação esteja mudando. Kindred Spirits on the Roof (2012), um visual novel yuri que saiu no Steam este ano, veio à loja sem censura alguma. Segundo o que encontrei, ele não é tão gráfico assim, mas isso pode ser uma mudança de paradigmas dentro da Valve. Ou uma exceção à regra, como talvez se aplique a Hatred (2015), o primeiro jogo Adults Only a botar o pé dentro da loja. [footnote]Pode não parecer, mas Manhunt (2003) tem classificação Mature, ao contrário de sua sequência. Mesma coisa para a série Postal (1997~2011).[/footnote]

Vale a pena contar uma historinha aqui: Em agosto de 2012, foi ao ar o Steam Greenlight, a princípio uma forma de facilitar a entrada de jogos indies quando os mesmos recebem votos positivos suficientes dos usuários. Um dos títulos que tentou a sorte na primeira leva foi Seduce Me (2012), uma espécie de pont’n’click em primeira pessoa cuja interação entre personagens é mediada com minigames de cartas. Neles, existem cinco variações de conversa com ligeira variação nas regras, daí se você conseguir pontos o suficiente em “Attraction” e/ou “Intimacy” com uma das mulheres, ganha cenas de sexo como recompensa; tanto de situações presentes quanto flashbacks. Se tentar se envolver com mais de uma ao mesmo tempo, correrá o risco de ser expulso da mansão, que é onde o jogo inteiro se passa.

seduce me cecelia
Cada uma das quatro mulheres possíveis de se relacionar com o protagonista representa clichês típicos de filmes pornôs, sendo Cecelia a “mãe gostosona insaciável por sexo”.

Era só questão de tempo até que Seduce Me fosse repentinamente removido do Greenlight pela constatação genérica de que o jogo possui “conteúdo ofensivo” — decisão que, evidentemente, incomodou a cocriadora do estúdio, Miriam Bellard. Pelo menos no FAQ, tal restrição continua tão vaga quanto antes. Já Hatred, como muitos devem lembrar, também tentou o Greenlight em 2014 e foi removido poucas horas depois… para então o estúdio responsável receber desculpas do próprio Gabe Newell e autorização pra vender na loja sem empecilhos.

Essa discrepância extrema de mentalidade frente à violência e sexo é uma óbvia demonstração de variações culturais, e ela definirá diretamente os critérios de avaliação em cada sistema classificatório. [footnote]Só pra dar uma ideia, dos atuais 27 títulos classificados como Adults Only, *quinze* são por mostrar somente conteúdo sexual, seis por sexo e violência, três por sexo e drogas, dois por violência apenas e UM por gambling.[/footnote] Um bom exemplo, mas do PS2, é Rumble Roses (2004), um jogo de wrestling no qual todas as lutadoras disponíveis são gostosas de roupas curtas. Foi avaliado como 18 no Japão (CERO), 12 na Europa (PEGI), Mature nos EUA (ESRB) e 12 na Alemanha (USK). Dessa pequena lista, a classificação alemã é a única que possui *zero* menção a conteúdo sexual.

3d gayvillaCom tais restrições de publicação, não é surpresa alguma que não existam empresas de peso neste mercado e análogas às detentoras de jogos AAA. Talvez o modelo mais próximo seja a austríaca Thrixxx, ativa desde 2001 e cujo título mais popular é 3D SexVilla 2 (2007). Mesmo datado graficamente e hoje seguindo o formato agressivo de microtransações [footnote](ele é divulgado no site oficial como “de graça”, mas é mais honesto chamá-lo de “demo restritíssimo”; é preciso até mesmo pagar para remover os pedaços pretos de censura inclusos. No Goodreads, tem um cara descrevendo essas práticas comerciais e o nível de absurdo que chegaram.)[/footnote], o simulador aparentemente ainda recebe atenção suficiente dos usuários, talvez graças ao fato de que a Thrixxx oferece ferramentas de modding, usa tais conteúdos gerados pelos fãs como parte de seu marketing e pela forma com que atendem toda sorte de fetiches. De seus outros simuladores, como 3D GayVilla 2, Hentai 3D 2 e 3D Vixens, a única coisa que realmente muda é o nicho levado em conta; a engine é basicamente a mesma, tanto que um grupo de programadores russos empacotou a maior parte desse conteúdo para criar The Klub 17, em essência uma versão muito maior do que 3D SexVilla 2.

Falando em modificações de usuários, quando o Tomb Raider de 1996 chegou ao mercado e alcançou toda a notoriedade com a qual já estamos familiarizados, foi também a provável primeira polêmica envolvendo versões desnudas de personagens de jogos, tanto por mods de nude skin quanto por montagens e afins. Lara Croft, atrelada a um símbolo sexual desde o início, foi um alvo fácil pros modders, autores do notório patch Nude Raider. Houve até mesmo um domínio com o mesmo nome, mas não tardou para ser derrubado porque, em 1999, a Core Design considerou tomar ações legais contra os sites que tivessem imagens da Lara sem roupa como forma de proteger os fãs jovens da franquia e por alegarem ter o copyright da imagem da personagem.

Com o tempo, coisas como hacks e mods acabaram se tornando uma parte vital entre o pornô interativo disponível para PC, especialmente quando se aplica à jogos hentais cuja distribuição é restrita somente no Japão. A Illusion, ativa desde 1993, parece ser o exemplo mais forte nesse lado do ocidente e que já recebeu grande atenção da mídia por causa do infame RapeLay (2006), quando o mesmo apareceu na Amazon devido a um vendedor terceirizado. Como as leis japonesas são muito mais permissivas nesse aspecto [footnote](o que não significa que não haja discussões internas e pressão externa frente a, por exemplo, material pedófilo por lá)[/footnote], a Illusion ainda pode vender legalmente tanto outros simuladores de estupro quanto jogos explícitos bem menos violentos, tais como as séries Sexy Beach (2002~2015) e Artificial Girl (2004~2007). Os dois últimos, juntos de outros lançamentos mais ou menos recentes da empresa como Artificial Academy 2 (2014), são exemplos de jogos que recebem desde patches para reconstruir as genitálias em mosaicos até traduções inteiras em inglês, além de modding pesado para customização visual das personagens.

Títulos de PC lançados ao longo de 2000-2010

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A modificação mais famosa foi, sem sombra de dúvida, para liberar o supracitado mini-game de sexo em Grand Theft Auto: San Andreas, Hot Coffee. A novela toda é contada num capítulo à parte tanto pela Brenda quanto por David Kushner em O Grande Fora da Lei [footnote](se você for lê-lo, recomendo bem mais a versão original, Jacked, como expliquei na minha mini-resenha.)[/footnote], por isso deixarei o assunto para um post posterior. O que dá pra adiantar agora é que, além de ter gerado um impacto enorme na percepção dos jogos diante do público leigo e nos critérios de avaliação da ESRB, seus efeitos ainda repercutiram em 2006, fazendo com que The Elder Scrolls IV: Oblivion fosse reavaliado de Teen para Mature por duas razões: tinha mais gore do que o previsto e por causa de um nude skin para NPCs mulheres criado inteiramente por uma modder. [footnote]No File Planet, há até uma justificativa que não se vê todo dia: “Fiz [o mod] porque odeio ver o governo/sociedade/sei lá forçando companhias a ‘proteger nossa população inocente de ver essas coisas horrorosas que 50% dela possui pessoalmente de qualquer maneira’, não porque estou tentando transformá-lo em um jogo pornô”.[/footnote]

A outra faceta

Nos últimos anos, tem aparecido com cada vez mais frequência jogos indies que, se não traziam apenas alguma pegada experimental em termos mecânicos e/ou narrativos, tratava de assuntos dificilmente abordados em títulos maiores – características que acabaram se estendendo, em parte, para alguns jogos eróticos e pornôs menores.

coming out on top

Robert Yang é um desenvolvedor que está por trás de diversos trabalhos relacionados à homossexualidade masculina, sendo talvez o mais famoso Hurt Me Plenty (2014), além de outros como Stick Shift (2015) e Cobra Club (2015). Outros exemplos parecidos são visual novels como Tusks: The Orc Dating Sim (2015), Coming Out on Top (2014) e Starfighter: Eclipse (2015), indo desde a humanização de orcs gays com portes físicos variados até a adaptação interativa de uma webcomic regada a ficção científica e sexo gay. Já Ladykiller in a Bind (2016), outro visual novel, aborda questões como relacionamento entre garotas e as consequências de manipular os outros. Nina Freeman, por sua vez, leva a autoria de How do you do it? (2014) e Cibele (2015), respectivamente sobre uma menina que tenta entender como o sexo funciona através de bonecas e sobre a experiência afetiva que a própria autora teve ao conhecer um cara dentro de um MMO. E ainda tem o notável Katawa Shoujo (2012), focado em garotas com deficiências físicas ou psicológicas e criado por frequentadores do 4chan. Apesar da má fama do fórum, o jogo acabou revelando uma sensibilidade bem significativa diante de seu tema principal.

A presença de assuntos oriundos do espectro LGBT nos jogos não é novo e a primeira evidência teria surgido em Moonmist (1986), ainda que não tão abertamente. Exemplos assim são um tanto esparsos e, no caso de jogos eróticos, a grande maioria ainda se foca em mostrar somente sexo hétero. Alguns chegam a incluir lésbicas como uma opção fetichista, às vezes até mesmo havendo ménage para mais; já em outros são inclusas opções gay e lésbica, mas de forma assimétrica. [footnote]Explicando: no primeiro Singles, o jogo te permite fazer sexo lésbico, mas gays não possuem a mesma ação disponível. Tal limitação foi eliminada na continuação. Já na trilogia de Mass Effect (2007~2012), criar um personagem homossexual era extremamente limitado, o que só mudou mesmo a partir do terceiro jogo.[/footnote] De forma mais restrita ainda, existem opções de personagens trans, mas, em muitos casos, somente através de mods. Ripened Peach, um estúdio ativo desde 2002, é atualmente encabeçado por duas mulheres e cujo título mais recente é Future Space Love Machine (2015), ao qual elas planejam incluir um espectro maior da sexualidade no futuro.

Os jogos online e o MMOEG

Spend the Night
Spend the Night, mirado principalmente para mulheres, foi eventualmente cancelado em 2006.

Em linhas gerais, jogos eróticos são vendidos em três modelos de negócios: sistema de assinatura, “Pay to Play” e ou em forma de jogo online, podendo incluir multiplayer ou uma interação um pouco mais seletiva. No primeiro caso, Brenda lembra de jogos como Virtually Jenna (2005), Roboho (2002) e 3D Sex Games (2002), sendo este último o primeiro produto comercial da Thrixxx. Já para o segundo caso, temos de exemplo Dream Stripper (2005) e as série LoveChess (2004-2006) e Virtual Hottie (2004-2006).

Ao contrário dos antigos MUDs, jogos online como os MMOEGs [footnote]Massive Multiplayer Online Erotic Game. Há também a variação MMOVSG, ou Massive Multiplayer Virtual Sex Game.[/footnote] são mundos completos em que encontros sexuais são encorajados e atrelados por definição, ao contrário de outros títulos nos quais apenas sexo emergente era possível (seja através de chat privado, seja pelo “reaproveitamento” de animações comuns dos personagens para fins eróticos). Com a disponibilidade crescente de maior banda larga, popularização de MMORPGs de peso e com a possibilidade de vender assinaturas online, vários desenvolvedores se viram motivados a criarem suas versões eróticas do gênero e livres das restrições de distribuição tradicional, podendo atingir consumidores diretamente sem ter que arcar com os efeitos negativos da classificação Adults Only.

Dos MMOEGs, um dos primeiros no mercado foi Sociolotron (2005), um jogo no qual a liberdade pra fazer qualquer coisa é extrema, mesmo que isso signifique prejudicar os outros (incluindo estupro). Vários outros de natureza online acabaram ou tendo uma vida curta, ou sequer saíram do papel, vide Naughty America: The Game (2006), Sexpexfex (2011), Spend the Night, Rapture Online, 3 Feel e Heavenly Bodies. A maioria, aliás, foi anunciada mais ou menos ao mesmo tempo, em 2005. Já no lado dos poucos que ainda estão ativos de algum modo, temos Achat 3D (2009), Red Light Center (2006), 3DXChat (2013) e Yareel (2014).

Os Consoles Modernos

rez ps2 gameComo explicado lá no início, uma publisher precisaria ser bem doida pra arriscar em lançar um jogo sob o selo Adults Only; dessa forma, há bem poucos títulos com ênfase erótica nos consoles das últimas gerações. Boa parte aparece igualmente no PC, tais como 7 Sins (2005), Playboy The Mansion (2005) e The Guy Game (2004). Dos exclusivos, basicamente só há BMX XXX (2002), Dead or Alive Xtreme Beach Volleyball (2003), a série Rumble Roses (2004-2006) e We Dare (2011). Dark Room Sex Game (2008) é um caso à parte de jogo multiplayer no Wii no qual não há imagem alguma e a ideia é basicamente se constranger com os amigos através dos efeitos sonoros.

Entre os títulos não eróticos propriamente ditos, tanto Heavy Rain (2010) quanto Beyond: Two Souls (2013) ficaram sob os holofotes em sites de notícias de jogos pouquíssimos dias após seus respectivos lançamentos pelo mesmo motivo: Nas cenas de banho presentes em ambos, a nudez dos personagens é parcialmente oculta de acordo com o ângulo da câmera, mas alguns usuários descobriram como contornar tal limitação rapidamente (no primeiro graças a um glitch e, no segundo, através de um PS3 próprio para desenvolvimento). Pelo menos com Beyond, na época a Sony bem que tentou tirar do ar todas as screenshots da protagonista despida, interpretada pela Ellen Page — e sem sucesso, como o esperado. ¯_(ツ)_/¯

Há um caso bastante único que ocorreu há 14 anos. Rez (2001), em sua versão japonesa para PS2, vinha com um acessório chamado Trance Vibrator, o qual vibrava de acordo com a intensidade da música durante as fases. A ideia veio do próprio criador como uma extensão da experiência sinestésica do jogo e apesar de alegar que ele não foi pensado pra uso sexual, foi exatamente o que uma guria relatou à época. O texto bombou tanto que cheguei a encontrar desde paródias a um tutorial para montar uma versão mais acessível do aparelho e aplicável à versão Xbox 360, lançada em 2008. [footnote]Há ainda outro exemplo de “sexo emergente por hardware”: SexBox, um controle comum de Xbox cujo motor foi retirado pra ser inserido em um vibrador. Ele funciona da mesma maneira que o Trance mesmo.[/footnote]

A realidade virtual

The future is now! Imagem da matéria “The Reality of Virtual Sex”, da Hyper Magazine #1 (1993).

Embora o conceito de realidade virtual não seja novo e tentativas para simulá-la não faltaram décadas atrás, o formato com o qual estamos familiarizados apareceu ao grande público praticamente nos anos 90, vide o Virtual Boy da Nintendo e o Virtuality para os fliperamas. No fim, tais tentativas acabaram se frustrando, só ressurgindo nos últimos anos graças à vinda e popularidade do Oculus Rift.

Segundo o que encontrei, o uso dos aparelhos de VR que apareceram no mercado tem sido, no caso do pornô, bastante explorado para a produção de filmagens a 180 ou 360 graus – especialmente no ocidente. De jogos ou “softwares interativos”, a lista é um pouco mais restrita, incluindo desde a adaptação (oficial ou não) de títulos como Second Life (2003), Red Light Center e 3DXChat à tech demos ou jogos mais ou menos completos voltados para a plataforma por definição, como se aplica a Playgirls (2014), Custom Maid 3D (2011) e Chathouse 3D (2013); e isso sem falar também de projetos que nunca saíram do papel, como o ambicioso Wicked Paradise. Há até mesmo softwares proporcionalmente mais simplistas vindo de usuários comuns, sendo boa parte deles hentais. Somado a tudo isso, a interatividade sexual é também estendida através de periféricos próprios chamados de teledildonics, tais como VRstroke, Ju-C Air e VR Tenga. Por ser tudo recente demais, realmente está muito cedo para analisar o potencial inteiro dessas tecnologias interligadas, ou se isso irá mudar ou não a percepção de jogos adultos dentro e fora do público que os consomem ou não.

O futuro e os desafios de design

how do you do it

Da mesma forma que ainda existe um conflito quanto ao complicado equilíbrio entre jogabilidade e narrativa (e qual deles deveria “importar mais” para o público geral ou para acadêmicos), jogos pornôs encaram constantemente o mesmo tipo de problema: enfatizar a parte interativa, especialmente usando mecânicas tradicionais e meio deslocadas diante do tema (quando não viram um empecilho), ou a parte estética, deixando o jogo em questão mais para um filme 3D e cujo controle significativo se resume, muitas vezes, à câmera e troca de posição. Foi essa questão um dos pontos que prejudicaram o apelo de Seduce Me, segundo Miriam Bellard para o Polygon:

[quote]Há desafios enormes de design. Eu estava determinada a fazer um jogo sobre sexo, onde as mecânicas evocassem relacionamentos humanos. (…) [Mas] em retrospecto, cometi um grande erro nas mecânicas de Seduce Me. Poucas pessoas entenderam e apreciaram o que eu estava tentando alcançar com jogos de cartas — eu gostava da forma com que cada jogada dava uma sensação da conversa representada — só que, no fim das contas, um quadro de mente analítica não é um estado de espírito que as pessoas querem no meio de um jogo de sexo ou de relacionamentos. Como bem colocou um amigo meu, ‘quando estou excitado, não quero ficar pensando’.[/quote]

Nas palavras de Jeff Dunn (que escreveu o artigo), “os jogos AO lançados no mercado na maioria das vezes são medíocres, crus e ‘pra fora’ demais em apelar para alguém que não pertença a um nicho minúsculo” (ou ainda, variações enfadonhas de jogos do que a Brenda chamou de “poke the doll”). Em suma, ainda estamos ruins em representar sexo nos jogos e estamos tão perdidos quanto a menina de How do you do it?. Há quantidade demais com qualidade de menos e, às vezes, com um teor de imaturidade. Para Rhianna Pratchett, ainda no mesmo texto:

[quote] O fato de só agora [em 2013] estarmos realmente vendo jogos mainstream abordando temas emocionalmente mais complexos prova o fato de que nós ainda não estamos prontos para lidar com conteúdo AO com a devida atenção e cuidado necessários.[/quote]

[quoteside align=”left” quote=”Ninguém os compra, ninguém os permite, ninguém os produz e os que existem beiram o ofensivo.” autor=” – Jeff Dunn”]

É verdade que parte da culpa recai justamente no que fora abordado no início do artigo, no que diz respeito às possíveis consequências graves de ter um jogo Adults Only, mas isso também ocorre por outras razões. Como bem dissertou Ernest Adams nos artigos Sex in Computer Games, existe toda uma gama de sutilezas no processo de relacionamento que vão da sedução ao ato em si, e são justamente tais detalhes difíceis de simular em um software, especialmente quando feitas para serem jogáveis. Os textos são de 2000 mas, mesmo havendo tecnologias melhores, mais acessíveis e potencialmente mais eficazes na representação de tais sutilezas, somadas às possibilidades inerentes da infante Realidade Virtual, o problema persiste até então. [footnote]Talvez esses desafios não sejam os mesmos em jogos com uma pegada mais abstrata ou com ênfase textual, vide Luxuria Superbia (2013) com suas flores alegóricas e Sext Adventure (2014), o qual simula sexting por celular. Ou mesmo em Anime Noir (2002), contando com interações tão específicas quanto “apertar”, “beliscar”, “encostar o nariz”, etc.[/footnote] Soma-se ainda às influências diretas do machismo e misoginia na hora de determinar a aparência das personagens femininas e como as mesmas são tratadas em jogos pornôs em diversas culturas, mas além de ser um problema muito mais abrangente, é um tema muito complexo sobre o qual não tenho como me estender neste texto.

HappyPlayTime (2014)
Indo à contramão de outros jogos sobre sexo, HappyPlayTime (2014), impedido de ser publicado na App Store, é um jogo educacional cujo propósito é combater o estigma por trás da masturbação feminina.

De um lado, há visões extremamente otimistas pelo menos no que diz respeito ao uso da Realidade Virtual dos e teledildonics; de outro, ainda temos uma enorme relutância das grandes produtoras de consoles e de jogos só de falar publicamente sobre o assunto, o forte estigma por trás do AO e toda sua carga de jogos ruins e distribuição ainda limitada à uma fração do mercado de jogos. Enquanto não superarmos parte desses problemas todos e a visão ainda insistente de jogos serem só para crianças, a única certeza é que o futuro de tais jogos é incerto.

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