Análise – Bravely Default

A Square-Enix teve sérios problemas com seus últimos RPGs. Final Fantasy XIII tentou ser várias coisas e falhou em muitas delas, Dragon Quest foi ficando cada vez mais exclusivo do Japão e Star Ocean: The Last Hope passou longe de ser um sucesso (por mais clichê e divertido que o jogo seja) – sem falar na saga de Final Fantasy XV.

A única coisa que parecia uma certeza era a sequência de bons lançamentos que a empresa tinha para portáteis, entre eles, o bom Final Fantasy: The 4 Heroes of Light. O jogo que entre seus pontos fortes tinha especialmente a semelhança com os jogos antigos da linha principal (antes de Final Fantasy VII e a Square abandonar os RPGs medievais) acabou marcando uma reviravolta dentro da empresa: era hora de voltar as origens.

A estranha escolha de entregar o jogo (que seria uma sequência de 4 Heroes of Light) para a Silicon Studio (que até então só havia um jogo para PSP e um para PS3, ambos em parceria com a Atlus) parecia dar claros indícios de que Bravely Default era só um pequeno teste da Square-Enix com algo que poderia ser visto como um nicho do nicho: um RPG japonês old-school. O sistema de classes de Final Fantasy V, cristais, os mesmos nomes pros itens e pras magias… Aquele jogo era Final Fantasy mais do que muito do que foi lançado desde a transição para o PS1. Só que… ele é um pouco mais corajoso do que isso.

Pegando o clássico…

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O roteiro por trás de Bravely Default não poderia ser muito mais clichê do que ele é. Quatro jovens partem em uma jornada para salvar os 4 cristais que sustentam todo o mundo do jogo que estão sendo ameaçados por uma força sombria e ao longo do caminho tem que enfrentar um exército poderoso que busca impor sobre o mundo uma visão “anti-cristalista”. Você já viu e já jogou algo assim antes. Possivelmente, mais de uma vez. Então não surpreende ver que esse é só um dos elementos característicos dos RPGs dos anos 90 que BD usou.

Não surpreende então que estejamos falando de um RPG por turnos. Com todo direito a Phoenix Down, Curagas, Firagas, Slow, Haste e todo o acervo de magias tão conhecidas de Final Fantasy. BD é, acima de tudo, um ambiente confortável. É um jogo que você conhece, em uma história que você já viu diversas vezes antes. É uma nova franquia com cheiro de nostalgia. Mas, em seus méritos, Bravely Default vai muito além disso. Em seu saudosismo, ele é um belo sopro de ar fresco no estilo.

…E o reinventando.

Nostalgia e saudosismo costumam ser sentimentos muito perigosos em qualquer mídia que eles afetem. Em videogames, principalmente, eles nos ajudam a esquecer de todos os problemas de gameplay e programação que os jogos que jogamos quando mais novos tinham. A sensação que se acaba tendo é que aqueles jogos eram lindos e perfeitos e que, ao colocar seus cartuchos nos seus antigos consoles, automaticamente o amor tomava forma e guiava seus dedos por eles. Essa parece ser a exata sensação que o Silicon Studio buscava com BD. E, bem, eles a alcançaram perfeitamente.

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Bravely Default parece claramente tirado de um sonho. O jogo parece um apanhado de tudo o que funcionava nos antigos jogos da Square, costurando o sistema de combate e jobs de Final Fantasy V com a qualidade narrativa de Final Fantasy VI e colocando tudo isso sobre os belos cenários construídos nos mínimos detalhes, com cidades muito diferentes entre si, mas cada uma bem planejada e bem feita.

Esse é exatamente o tipo de jogo que te pede para jogar com o 3D ligado e fones de ouvido para poder admirar o quão bem feito o jogo é (e, estranhamente, com pouquíssimas CGs, quase tudo é contado in-game), com uma dublagem primorosa e uma trilha digna dos melhores trabalhos do sr. Nobuo Uematsu para a Square (mais um fantástico trabalho do Revo e da Sound Horizon, também responsáveis pela abertura de Shingeki no Kyojin – Attack on Titan –).

O estilo artístico do jogo provavelmente te lembrará daquele que é o mais bem desenvolvido mundo da franquia Final Fantasy e com algumas dicas bem espalhadas pelo estilo de arte usada na divulgação. Akihiko Yoshida, responsável pelo design de ambientes e personagens de todos os jogos de Ivalice (Final Fantasy Tactics, XII e Vagrant Story) havia trabalhado em 4 Heroes of Light e, naturalmente, foi o principal responsável pelos designs de Bravely Default, tarefa na qual o sucesso dele foi fantástico, misturando o estilo mais “sujo” e rústico que lhe é característico com um ar alegre e moderno aos seus novos personagens.

Tanto a arte quanto o som do jogo trabalham com uma única função: te fazer se sentir em casa. Ambos são imensamente confortáveis aos olhos (menos com o 3D ligado, pois todos sabemos que usa-lo no máximo com certeza lhe fará se sentir, no minimo, incomodado) e lhe guiam por algo bem saboroso que está escondido no avançar das horas do jogo.

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O charme de 4 heróis dos cristais.

Bravely Default começa com o jogador assumindo o controle de Tiz, um jovem que acabou de se tornar o único sobrevivente de sua vila após um desastre (hey, eu falei que era cheio de clichês né?) e que parte em direção a capital do reino para tentar conseguir ajuda. Lá ele encontra uma jovem em busca de ajuda para salvar o cristal que deveria proteger (Agnés). E um rapaz sem memória (Ringabel). E uma moça bem esquentadinha, mas de bom coração (Edea). É. Você já viu isso antes. Várias vezes. Mas tem mais…

Essa é uma jornada muito menos sobre os cristais e salvar o mundo (por mais que também seja sobre isso) e mais sobre o desenvolvimento desses 4 jovens. É claro que o destaque automaticamente vai pro charmoso Ringabel e pra apaixonante Edea, dois dos mais bem escritos personagens da história recente dos RPGs, mas há algo a se apaixonar por em todos os 4. Tiz é um jovem aprendendo sobre o mundo depois de sair de sua vila pela primeira vez, Agnés uma jovem com responsabilidades demais nas costas que não sabe como administra-las, Edea é uma jovem atormentada por problemas de família, mas com um desejo insaciável de fazer o que ela acha ser o certo e Ringabel… ele só tá ali pra conhecer mulheres dos mais diversos reinos. Os 4 possuem jornadas de auto-descoberta bem significativas e marcantes, sendo um dos vários pontos em que, mesmo quando parece mais clichê, Bravely Default sabe ser novo.

O próprio roteiro acaba tocando em temas mais densos de maneira bem leve, como guerras entre religiões, o abuso de poder das castas mais altas sobre os menos favorecidos, honra e as dificuldades de se conciliar dever e vida pessoal, sendo, novamente, inovador dentro de seu gênero, sem abandonar características já usadas por outros jogos anteriormente (e, sim, há um certo ar de romance entre alguns dos protagonistas).

Recriando um velho-novo sistema.

Combate por turnos clássico. É isso que Bravely Default é. Escolha as ações dos seus personagens e veja elas acontecerem na ordem estabelecida pelo jogo. Seria tudo muito simples e, até, comum, se não fosse pelo sistema que dá nome ao jogo.

A cada turno, você recebe um Brave Point. Naturalmente, quase toda ação (ataque, magia, item) consome 1 BP, salvo por algumas skills que consomem um pouco mais. Você começa a batalha com 0, podendo então realizar uma ação simples. Só que, caso queira atacar de vez, é só usar o comando “brave” 3 vezes e pegar “emprestado” os seus próximos 3 turnos e realizar 4 ações no mesmo turno (ficando vulnerável nos 3 seguintes enquanto seu BP vai de -3 a 0) ou usar Default (que além de estocar 1 BP funciona como um comando de defesa) até ter +3 BP e usar todos de uma vez só.

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Confuso? É, parece um pouco a primeira vista, mas ele funciona extremamente bem. Ir “full brave” em batalhas contra inimigos mais fracos pode lhe dar bônus de EXP (experiência padrão, usada para evoluir cada personagem) e JP (usados para evoluir cada job), enquanto usar Default contra um chefe até ele ficar mais vulnerável e então atacá-lo 16 vezes num turno só pode ser a diferença entre uma vitória tranquila e um game over. O sistema é revolucionário e cria várias possibilidades estratégicas para as batalhas.

Bravely Default ainda pega um dos maiores problemas dos JRPGs (horas e mais horas de grinding) e o simplifica, tornando até prazeroso. Junte o sistema de bônus de EXP e JP ao fato de você poder usar auto-battle (repetindo todos os comandos, incluindo Brave e Default, da última luta), acelerar as animações de batalha poder aumentar a frequência que inimigos aparecem (ou até mesmo tirar toda e qualquer batalha aleatória) e você rapidamente vai se encontrar poderoso o suficiente para seguir em frente no jogo sem passar por tortuosas horas de batalha. Adicione a isso a grande variedade de Jobs (25 no total) e o fato de poder misturar skills de dois deles (além da ampla gama de passive skills) e o sistema de batalha é intrigante e divertido o suficiente para te fazer perder horas e mais horas com o jogo.

E então?

Nem tudo é perfeito, naturalmente. Bravely Default tem uma estranha falta de personagens negros ou até mesmo asiáticos (problemas também presentes na franquia Final Fantasy), sendo quase todos claras versões do que os designers da Square-Enix entendem como sendo Europeus (Bravely Default tem, assim como Pokemon X/Y, uma série de claras inspirações na França), seu roteiro acaba se perdendo do meio para a frente e a facilidade para grindar pode acabar te deixando um pouco poderoso demais, rápido demais.

Mas, acima de tudo, é um jogo que mostra o porque RPGs migraram para portáteis, sendo muito mais confortável evoluir seus personagens nas horas nos ônibus ou alguns minutos antes de dormir do que ter que ficar sentado por horas no sofá grindando (além de atender a clara tendência do mercado japonês de abandonar os consoles tradicionais).

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Bravely Default faz um belo uso ainda do sistema de streetpass, fazendo com que seus amigos se tornem novos membros da sua vila (em uma das side-quests do jogo, Tiz resolve reconstruir sua vila) e te ajudem a evoluir as construções por lá, mais e mais rápido. Além disso, é possível invocar seus amigos para que eles te ajudem com um golpe especial em combate ou usar o Ablink para passar um pouco das habilidades deles para os seus heróis.

No fim, Bravely Default se destaca como o maior e melhor lançamento do ano até aqui, sendo mais uma das várias razões para se comprar um 3DS e sendo um daqueles jogos que lhe renderão algumas dezenas de horas de diversão e uma boa história para contar, tocando todos os pontos certos de nostalgia e saudade enquanto lhe brinda com doses cavalares de novidades a um gênero que muitos vêem como parado no tempo. Com uma sequência já anunciada para sair ainda esse ano no Japão (entitulada Bravely Second) e a ambição de se tornar mais grande franquia da Square-Enix, a série Bravely tem um começo genial.

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