Crítica Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Eder Augusto de Barros
edaummm
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Alejandro González Iñárritu deixa de lado a seriedade empregada em Babel (2006) e Beutiful (2010) e se entrega ao humor negro rodeado por um elenco altamente competente e exalando técnica por todos os poros. Esse é Birman, ou então, a Inesperada Virtude da Ignorância.
Na película acompanhamos Riggan Thompson (Michael Keaton), um ator que alcançou o estrelado protagonizando uma trilogia de um super-herói, o Birdman. Riggan recusou o quarto filme da franquia do Homem-Pássaro e sua carreira despencou. Em busca de recuperar a fama que outrora o perteceu e buscar o reconhecimento como ator, ele decide escrever, dirigir e estrelar uma peça de teatro na Broadway. Entretanto, em meio aos ensaios com o elenco formado por Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), Riggan precisa lidar com seu agente Brandon (Zach Galifianakis) e ainda uma estranha voz que insiste em permanecer em sua mente.
Nas primeiras linhas de Birdman, um acidente tira da peça um ator (ruim), Riggan então começa a sugerir nomes de atores para a substituição em uma conversa, acompanhado pela frenética câmera, com seu produtor vivido por Zach Galifianakis.
– Apenas me encontre um bom ator… me consiga, hum… Woody Harrelson.
– Ele está fazendo fazendo o próximo Jogos Vorazes.
– Michael Fassbender.
– Ele está fazendo a prequel da prequel de X-Men.
– Que tal o Jeremy Renner.
– Quem?
– Jeremy Renner, ele foi nomeado [ao Oscar], ele é… hum… o cara do Guerra ao Terror.
– Ele é um Vingador.
– Eu não acredito, pegaram esse garoto também? Não me interessa, só me arranje alguém.
Quando ele entra em seu camarim, a televisão está anunciando “uma entrevista exclusiva com Robert Downey Jr. que fez uma fortuna de bilhões com seus filmes do Homem de Ferro e agora espera repetir o sucesso em Os Vingadores”. Robert Downey Jr. que carrega o rótulo de viver ele mesmo quando interpreta o o personagem da Marvel, Tony Stark. Esse é o nível de humor negro e meta-linguagem que Iñárritu pretende, e consegue, atingir com Birdman. O que torna tudo ainda mais engraçado nessa sequência, é o fato do próprio Michael Keaton já ter vivido um super-herói e ter recusado o terceiro filme do Homem-Morcego porque já imaginava que seria um péssimo filme. E foi, terrível. Estrelado por Val Kimer, dirigido por Joel Schumacher, e cada vez que penso no Jim Carrey como Charada tenho pesadelos à noite. E olha que eu nem precisei citar antes que o Edward Norton também faz o papel dele mesmo.
A fotografia de Birdman trabalha, e muito, para o resultado final do longa. Emmanuel Lubezki, que já entregou trabalhos fábulosos em Gavidade (2014) e Os Filhos da Esperança (2006), faz em Birdman algo tão ou mais grandioso do que o filme que rendeu o Oscar do ano passado. A fita parece empacotada dentro de um “falso plano sequência” interminável que definitivamente te coloca dentro dos corredores do teatro St. James, principal locação da produção. Sempre trêmula, a câmera acompanha todos os momentos do longa bem de perto quase quebrando a quarta parede, simulando a presença do espectador no ambiente. Ajudando, diretamente, a necessária penetração do espectador na cabeça do protagonista.
Iñárritu, que também escreve o longa, passeia com Birdman por temas como a necessidade de aplausos que a sociedade de hoje busca. E faz isso sobre o olhar de um personagem que busca justamente esse aplauso, essa redenção. Passeia sobre a facilidade com que algo, hoje em dia, passa de medíocre à épico e como as pessoas usam e abusam do poder de classificar algo como medíocre e épico e influênciar outras pessoas ao redor, ou sendo menos abrangente, como algo popular na internet consegue alavancar obras fora da internet. E eu ainda acho que poderia ter ido mais longe e mostrado como hoje em dia, uma cara que é popular online, consegue destruir algo dentro do seu circulo de pessoas ou admiradores, só pelo prazer de aparecer e ir contra à corrente.
Eu gosto de como Iñarritu explora isso, fazendo com que um vídeo vazado no Youtube faça da peça de Riggan um sucesso. Apesar de usar o clichê do velho (Riggan) que não entende como a internet funciona e fica meio perdido com toda essa informação que absorve, e do crítico teatral mal-humorado que se ofende com a bebida ofertada e promete destruir sua peça, não acho que isso seja um problema dentro do que o diretor aborda em sua fita. Poderia ser diferente? Poderia. Poderia ser um youtuber famoso que decide criticar a peça de Riggan, quando toda a impressa elogia, apenas para ganhar muitos views online, gerar burburinho em torno de suas ríspido palavras, e influênciar pessoas a ponto de gerar um fracasso econômico para a peça do ator. Talvez não seria compreendido por todos. Talvez fosse muito específico.
Eu vejo a obra de Iñarritu como uma grande saturação do que são as obras de entretenimento hoje. Levando ao preto e branco o que deveria ser uma escala de cinzas. Mostrando para pessoas ignorantes que elas talvez sejam influenciadas por outras pessoas ao invés de consumirem a obra independente de seus rótulos, sejam eles recebidos por críticos famosos e conceitudos, pelo cara que vende a própria palavra ou pelo cara que vai contra à maré para gerar o buzz.
Se Riggan procura a redenção como ator, Michael Keaton provavelmente vai conseguir a sua redenção levando para casa o careca pelado. Acredito que o ator corre muito à frente de seus companheiros indicados e tem em Birdman o trabalho da sua vida.
O restante do elenco também está impecável, Edward Norton entrega uma excelente atuação mas não deve sair da cerimônia do Oscar premiado, J.K. Simmons de Whiplash está soberbo e deve levar essa. Emma Stone não é uma personagem da trama central, não tem tanto tempo de tela, mas quando o tem deixa tudo mais agradável.
Esse é Birdman, ou a Inesperada Virtude da Ignorância. Um roteiro inteligente, sagáz, um elenco afinadíssimo e uma técnica de primeira categoria. Suas nove nomeação ao Oscar são merecidas e o longa deve sair da noite com uma quantidade considerável de prêmios.
Roteiro inteligente, elenco afinadíssimo e técnica de primeira categoria.