Leandro de Barros
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Ancine quer cotas de produções nacionais em serviços on-demand, como a Netflix
A Ancine pretende regulamentar serviços on-demand no Brasil e quer cotas para filmes nacionais - o que isso significa pro consumidor?
De acordo com o blog Outro Canal, da Folha de São Paulo, a Ancine estuda colocar serviços de video-on-demand, como Netflix, Crackle e HBO Go, com regras semelhantes às de TV por assinatura no Brasil: ou seja, esses serviços teriam de adotar uma cota de produções nacionais dentro do seu catálogo.
A ideia da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, é estabelecer um ambiente regulatório no setor no país, fixando alguns termos e regras gerais para esses serviços, incluindo aí a ideia das cotas por produções nacionais.
O estudo inicial da agência propões um valor de 30% dos catálogos desses serviços para produções nacionais e a questão deverá ser debatida durante 2015.
Como que fica?
Obviamente a questão ainda está no início e muito debate há para ser feito. Há sempre a falácia do “é mais fácil a Ancine investir em bons roteiros e atuações melhores para fazer filmes bons”, como se o Brasil não produzisse filmes ótimos anualmente.
A questão é quantos desses filmes efetivamente possuem a chance de disputar a atenção do público nacional. A própria falácia de que o Brasil só faz filmes com “pornografia, favela e violência” é originária do fato de que as pessoas NÃO VÊEM filmes brasileiros e uma das causas (não a única) é que os cinemas e outros meios de exibição são recheados de filmes de Hollywood.
Um exemplo disso é Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 que, independente da sua qualidade (é um ótimo filme!), estreou em mais de 48% das salas de cinema no Brasil – o que significa que metade das salas do país tiveram de se dividir entre todos os outros projetos em cartaz.
É importante lembrar também que isso não é necessariamente culpa do público, dos cinemas ou dos filmes em si, mas de um sistema de distribuição que ficou “viciado” durante os anos.
Há também o tradicional preconceito com o termo “cotas”, que faz com que as pessoas pensem que seu livre arbítrio está sendo violado de alguma forma. Cotas de tela são um mecanismo relativamente comum para a proteção e promoção da cultura regional de um país e necessariamente não significam algo ruim para o expectador. Um exemplo disso é a Coreia do Sul, onde os cinemas precisam exibir filmes nacionais por cerca de 146 dias por ano.
Essa medida (que se origina da década de 60) é uma das ações do país para a popularização da sua cultura popular, visando fortalecer o seu entretenimento pop para poder gerar receitas para o país. O movimento é conhecido como Hallyu e possui diversos “braços”, como o K-Pop, por exemplo.
O fortalecimento do cinema do país (que, apesar de tudo, AINDA não gera tanto lucro como filmes estrangeiros por lá) rendeu a popularização internacional da cultura sul-coreana e seus artistas. Hoje, é fácil citar diretores como Chan-Wook Park (Oldboy) ou Joon-ho Bong (Expresso do Amanhã), que geraram prêmios, investimentos e rendimentos para o cinema sul-coreano.
Por isso, cotas de tela necessariamente não significa uma coisa ruim, seja na TV fechada, nos cinemas ou em serviços on demand.
Mas e economicamente?
Esse é um segundo X da questão: quanto vai custar uma medida assim da Ancine? Provavelmente bastante. Hoje, os catálogos dos serviços VOD no país não estão prontos para atender as demandas de 30% de produção nacional. Por exemplo, o CriticalHits estima que o catálogo da Netflix no Brasil tenha 4 mil títulos e, entre eles, apenas 189 sejam brasileiros, o que dá uma porcentagem de 6,5% do catálogo.
Isso significa que muita coisa ia mudar e o cenário não parece muito ensolarado: para adquirir mais obras brasileiras, a Netflix teria de pagar por mais filmes, o que provavelmente aumentaria a mensalidade do serviço. Para ajudar, eles provavelmente tirariam filmes estrangeiros do catálogo, o que diminuiria as opções. Nas duas hipóteses, o consumidor arca com as consequências da medida.
Porém, é verdade que esse tipo de ação também levaria a Netflix e outros serviços de videos-on-demand a investir na produção de conteúdo original brasileiro (foi o que os canais de TV fechada fizeram), gerando empregos e movimentando a economia, além de fortalecer a indústria nacional.
É claro que 30% é uma cota grande demais para um primeiro passo e a resistência à essa medida será grande demais, mas os debates estão aí justamente para esclarecer essas questões. É provável que, fazendo as contas todas, essa porcentagem baixe num primeiro momento, fazendo com que a medida não fique pesada para ninguém: nem consumidores, nem empresários.
O que você acha disso tudo?

PS: As imagens que ilustram esse post são só exemplos de grandes filmes brasileiros dos últimos dois anos
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